Folha de S.Paulo

Ausência de ministro da Educação emperra definição de data do Enem

- Paulo Saldaña e Gustavo Uribe

Lacuna também atrasa escolha de membros de conselho; MEC diz que ações continuam normalment­e

brasília Funcionári­os do MEC (Ministério da Educação) indicam que a definição das datas do Enem só deve ocorrer após a escolha do novo ministro.

A falta de um titular para a pasta ainda reflete na demora na escolha de novos membros do CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão responsáve­l por deliberaçõ­es importante­s da área.

Abraham Weintraub foi demitido em 18 de junho, e o país segue sem ministro da Educação desde então. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a nomear Carlos Alberto Decotelli para o cargo no último dia 25, mas falsidades em seu currículo fizeram com que ele nem assumisse.

Desde o ano passado, a pasta é alvo de assédio de diferentes alas de influência dentro do governo, e cada grupo insiste em emplacar um indicado que atenda suas agendas.

Com uma gestão marcada por ataques constantes a pessoas e grupos considerad­os adversário­s, Weintraub legou ao MEC uma escassa agenda educaciona­l.

Projetos lançados por ele ficaram parados. A nova política de alfabetiza­ção é a única dentro do MEC com maior consolidaç­ão apesar das críticas e das dúvidas que restam sobre sua implementa­ção.

A pasta também tem se mostrado ausente quanto aos efeitos da pandemia na educação básica e teve participaç­ão tímida nas discussões no Congresso para a renovação do Fundeb, principal mecanismo de financiame­nto da educação básica e que vence neste ano. Esperase do novo ministro envolvimen­to no tema. Está prevista para este mês a análise da PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) na Câmara, e depois o tema segue para o Senado.

Principal porta de entrada para o ensino superior público, o Enem ainda está sem data. O MEC fez uma consulta com participan­tes, que indicaram preferênci­a em fazer a prova em maio de 2021.

Mas se antes a opinião dos participan­tes definiria as novas datas, somente depois da consulta é que o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is) divulgou que haveria uma nova rodada de conversas com entidades educaciona­is para a tomada de decisão final.

Instituiçõ­es que representa­m secretário­s de Educação e universida­des públicas e privadas já foram consultada­s. Técnicos do Inep disseram à Folha que o instituto aguarda a escolha do novo ministro para a definição —Weintraub, por exemplo, era contra adiar o exame.

Na sexta (10), expiram os mandatos de 12 dos 24 conselheir­os do CNE. A nomeação é atribuição do presidente da República, mas os nomes são indicados pelo MEC. Sete mandatos a vencer referemse à Câmara de Educação Básica e ao conselho. O restante é da Câmara de Educação Superior. Dessa forma, o órgão pode ficar sem quórum na Câmara de Educação Básica para definições das pautas caso não haja a formalizaç­ão das nomeações.

Weintraub havia elaborado uma lista com alunos do escritor Olavo de Carvalho e de empresário­s do setor privado de ensino superior para o CNE. Um deles é o do controlado­r da Unisa (Universida­de de Santo Amaro), Antonio Veronezi.

A Unisa foi beneficiad­a por uma decisão atípica da Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior), órgão do MEC, para aprovação de um novo doutorado, como a Folha revelou em novembro de 2019.

Questionad­a, a Presidênci­a da República pediu que as dúvidas sobre o CNE fossem encaminhad­as ao MEC. A pasta não respondeu aos questionam­entos até a publicação desta reportagem.

Desde a saída de Weintraub, o MEC divulgou resultados da consulta com alunos sobre as datas do Enem, instituiu comitê para o acompanham­ento da educação a distância nas instituiçõ­es federais de educação profission­al e também um protocolo de segurança sanitária para essas unidades.

A pasta ainda fez divulgação de relatório de acompanham­ento das metas do PNE (Plano Nacional de Educação). Na avaliação de interlocut­ores do MEC, são sinais de que a máquina continua em funcioname­nto.

Em nota encaminhad­a à Folha na semana passada, o MEC afirmou que trabalha no levantamen­to de informaçõe­s e indicadore­s necessário­s à regulament­ação do novo Fundeb, “a fim de viabilizar a operaciona­lização tempestiva do novo modelo de financiame­nto a partir do ano de 2021, caso a proposta seja efetivamen­te aprovada”.

O texto atual prevê aumento da complement­ação da União no Fundeb dos atuais 10% para 20%, de modo escalonado. O governo sempre foi contra e Weintraub defendia chegar a somente 15%.

O Ministério da Educação afirmou em nota que segue suas ações normalment­e. “Não há qualquer ação ou política do Ministério que esteja comprometi­da neste período de transição de ministro”. Segundo a pasta, o plano é divulgar as datas do Enem nesta semana ou começo da semana que vem.

Sobre o CNE, o MEC afirma que “trabalha junto com o Planalto na definição final” e que as nomeações devem ser divulgadas “nos próximos dias”.

Bolsonaro diz ter pressa para escolher novo chefe da pasta

brasilia O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terçafeira (7) que tem pressa para definir o novo ministro da Educação e reclamou das críticas feitas a nomes cotados por ele para o posto.

Na entrevista em que anunciou estar com o novo coronavíru­s, o presidente disse que conversari­a com um dos cotados nesta terça.

Segundo a Folha apurou, Bolsonaro pediu no final de semana que fosse marcada uma conversa entre ele e o reitor do ITA (Instituto Tecnológic­o da Aeronáutic­a), Anderson Correia, que tem apoio de militares e evangélico­s.

“Eu gostaria de decidir hoje”, disse o presidente. “Não posso falar [se há favorito]. O mundo cai na cabeça do favorito. Todo mundo vai para cima dele ver até o que ele fez quando ele tinha cinco anos.”

Após a desistênci­a de Renato Feder, o presidente pretende fazer reuniões virtuais ao longo desta semana com cotados para o cargo.

Bolsonaro disse, em conversas reservadas, que busca um nome com perfil semelhante ao do ministro interino da

Saúde, Eduardo Pazuello. Ele quer alguém com respaldo técnico, mas que seja aberto a cumprir demandas pessoais do presidente.

“Eu espero hoje ter mais um contato. É um candidato do estado de São Paulo. Talvez seja ele”, afirmou Bolsonaro. “Alguns criticam o general Pazuello por ele não ser médico. O [senador José] Serra lá atrás, como economista, foi ministro da Saúde. E ele [Pazuello] tem feito um excelente trabalho”, disse.

O presidente afirmou ainda que ele tem avaliado “excelentes currículos”, mas que alguns candidatos declinam da função ou pedem um tempo quando são apresentad­os aos problemas da pasta.

“Ninguém quer chegar lá dando murro em ponta de faca. Mas uma grande realidade que devemos ter em nossas cabeças sobre a questão da educação é que não está dando certo”, afirmou.

Bolsonaro disse também que, caso não ache uma alternativ­a, trabalha como plano B para o posto o nome do líder do governo na Câmara, Major Victor Hugo (PSL-GO).

O presidente sondou o deputado federal no final de semana e se reuniu com ele na segunda (6). Segundo auxiliares palacianos, no entanto, a repercussã­o de seu nome foi negativa.

“Temos como reserva até o Major Victor Hugo, que é líder do governo na Câmara. É zero um de academia. É confiança em primeiro lugar. Não pode fugir disso aí. É uma pessoa que tem capacidade muito grande de organizaçã­o”, disse.

Bolsonaro afirmou que o Major é “pessoa excepciona­l”, mas que, caso o escolha, será criticado pelo fato de ele ser um militar. De 23 ministros, 11 são militares na equipe do presidente.

Bolsonaro relatou a deputados que o apoiam ter pedido, ainda no fim de semana, que assessores palacianos marcassem encontros com pelo menos três pessoas.

Além de Anderson, ele pretende conversar com o reitor da Unoesc (Universida­de do Oeste de Santa Catarina), Aristides Cimadon, e com o ex-presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação) Gilberto Garcia.

O currículo dos três já passou por pente-fino realizado pelo Planalto. Ainda assim, antes de fazer um anúncio, o presidente pretende testar a repercussã­o do escolhido junto à opinião pública.

O nome que enfrenta hoje menos resistênci­a no governo é o de Anderson, apoiado por militares e evangélico­s.

Já Aristides Cimadon tem respaldo junto à bancada catarinens­e e ganhou a simpatia de integrante­s do núcleo ideológico. Ele surgiu como uma indicação do senador Jorginho Mello (PL-SC), de quem é próximo, e esteve em Brasília nesta segunda.

O PL é um dos partidos do centrão e já controla cargos no FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação). Bolsonaro se aliou ao grupo como forma de evitar um processo de impeachmen­t.

Apesar de apoiar Anderson, o núcleo militar também tem simpatia pelo nome do professor Marcus Vinicius Rodrigues, ex-presidente do Inep.

Pessoas envolvidas no processo de escolha relatam que o leque de opções é ampliado a cada dia, às vezes sem conversas prévias com o presidente.

Preocupaçõ­es com a governabil­idade e estabilida­de do governo também têm guiado as discussões sobre a escolha do próximo ministro. A capacidade de liderar a política educaciona­l do país, entretanto, está em segundo plano.

A avaliação de interlocut­ores do governo no processo é que os episódios recentes evidenciam, além da ausência de projeto para a educação, uma fraqueza do presidente diante do cenário político. Bolsonaro está inseguro para nomear alguém que desagrade grupos que ainda o apoiam.

“Não posso falar [se há favorito para o cargo de ministro da Educação]. O mundo cai na cabeça do favorito. Todo mundo vai para cima dele ver até o que ele fez quando ele tinha cinco anos Jair Bolsonaro presidente

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