Estudo mostra que 90% do setor criativo perdeu renda com a pandemia
Pesquisa estima que rombo será sanado só daqui a dois anos e aponta o surgimento de um novo mercado online
Como esperado, a pandemia do coronavírus causou uma hecatombe no rendimento das empresas do setor cultural e criativo brasileiro, mas, por outro lado, o distanciamento social forçou o processo de digitalização do segmento.
O resultado é que um novo mercado de entretenimento está surgindo online, e ele deve passar a conviver lado a lado com os espetáculos presenciais.
Os dados e a previsão estão num estudo recém-divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, a FGV, e pelo Sebrae, com apoio do governo paulista, sobre os impactos econômicos da Covid-19 na economia criativa. A pesquisa foi feita entre o final de maio e meados de junho.
De um universo de 546 empresas pesquisadas em todo o Brasil, 88,6% registraram queda de faturamento desde que as medidas de distanciamento social entraram em vigor, e 63,4% afirmaram ser impossível manter as atividades durante o período. Além disso, quatro em cada 10 desses negócios têm dívidas em aberto.
“Este é o panorama que temos, e precisamos encarar a realidade, por mais assustadora e preocupante que ela seja”, afirma Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa do estado de São Paulo. Depois do fundo do poço atingido neste ano, os próximos dois devem ser marcados por uma retomada lenta.
Ele lembra que o setor crescia em média 4,6% em 2018 e 2019, e que a recuperação total do PIB gerado pela economia criativa no ano passado —R$ 190,5 bilhões— só deve acontecer em 2022. A queda estimada para 2020 e 2021 é de R$ 69,2 bilhões.
Em nível nacional, a economia criativa —que inclui os setores cultural e artístico, produção editorial e audiovisual, arquitetura e design— é formada por 300 mil empresas e instituições que empregam 4,9 milhões de profissionais e respondem por 2,61% do PIB. A locomotiva do setor é o estado de SP, com 1,5 milhão de postos de trabalho e 150 mil empresas, responsável por quase metade do PIB criativo de todo o país.
Mesmo com o baque em um setor muitas vezes calcado em apresentações ao vivo, o secretário vê sinais positivos. Ele destaca o boom do consumo cultural online, que está criando um mercado que “rentabiliza os ativos da economia criativa”.
Esse fenômeno, já visto na música e no audiovisual com as plataformas de streaming, agora tem acontecido com peças de teatro e festas, por exemplo. A crise forçou empreendedores a acelerar a digitalização.
“Isso veio para ficar pela praticidade e pelos problemas de mobilidade nas metrópoles. O digital tende a ser mais democrático e inclusivo do que o presencial”, diz Sá Leitão, acrescentando que vê complementaridade e não competição entre as formas física e virtual.
Há, porém, um entrave para o crescimento da economia criativa —a dificuldade de acesso a crédito por pequenos e microempresários da área. Cerca de 35% dos entrevistados afirmaram ter tentado obter um empréstimo, mas só 4,6% deles conseguiram.
“Uma resposta que o Brasil ainda não conseguiu dar nesta crise foi fazer chegar recursos às micro e pequenas empresas”, diz Luiz Gustavo Barbosa, gerente executivo da FGV Projetos, lembrando que isso não acontece só no setor cultural.
No caso dos criativos, há fatores que dificultam a concessão de empréstimos. Por um lado, grande parte do setor é formado por micro e pequenos empresários que não têm o hábito de se endividar para crescer, e, por outro, bancos não sabem lidar bem com a área.
Para os bancos, há a questão da garantia, já que boa parte dos ativos do setor são intangíveis, como o talento de um músico ou a tela de um pintor. “Como se mensura isso em termos de garantia? Claro que existem maneiras, mas o banqueiro tem que ser muito progressista para entender ativos intangíveis”, diz o secretário.
Diante do cenário, o estudo mostra que 71% consideram importante a abertura de linhas de crédito em condições facilitadas, e o mesmo patamar quer a renegociação de empréstimos já realizados.
O que a maioria —82%— mais quer, no entanto, é a abertura de editais para o setor, que foram restringidos durante o governo Bolsonaro, seguido da ampliação de patrocínio de empresas estatais —81%.
Em seguida, vem a retomada do fomento com a liberação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual —76%. A principal fonte de recursos públicos para o audiovisual no país tem R$ 724 milhões em caixa.