Folha de S.Paulo

Governo proíbe galerias de arte de reabrirem com exposições

No limbo entre o comércio de rua e os museus, elas foram surpreendi­das por decreto publicado sexta passada

- Clara Balbi

são paulo Com a reabertura gradual da capital paulista, duas galerias de arte ensaiavam abrir as portas com novas mostras depois de mais de três meses fechadas.

Mas suspendera­m as exposições ao serem listadas, num decreto do governo estadual da semana passada, na mesma categoria que cinemas, teatros e museus. Estes só podem retomar as atividades na próxima fase de reabertura.

Localizada­s nos Jardins e separadas por uma quadra, as galerias eram a Dan Galeria e a Simões de Assis. A primeira chegou a abrir as portas para apresentar, a partir da quarta passada (1º), uma mostra em homenagem ao centenário de Amilcar de Castro, comemorado no início de junho.

A segunda abriria nesta terça (7) duas exposições dedicadas ao pintor Jorge Guinle, uma reunindo suas telas e outra com obras de artistas que ele entrevisto­u para a versão nacional da revista Interview na década de 1980.

Apesar de críticas pontuais nas redes sociais, a reabertura das galerias seguia as normas estabeleci­das pelas autoridade­s. Identifica­das na Classifica­ção Nacional de Atividades Econômicas como “comércio varejista de objetos de arte”, elas a princípio poderiam abrir seguindo os protocolos divulgados no início de mês para o comércio de rua em geral, com limitações de público e de horários.

Por isso, a Dan Galeria e a Simões de Assis disseram ter sido pegas de surpresa quando, na última sexta (7), foram incluídas entre cinemas, teatros, museus e outros estabeleci­mentos culturais com abertura prevista para o fim do mês caso as taxas de ocupação das UTIs permaneçam estáveis pelos próximos 28 dias.

As duas exposições foram, assim, adiadas —embora possam ser vistas digitalmen­te. Mas a contragost­o dos galeristas, uma vez que, eles destacam, a quantidade de visitantes que recebem não é comparável nem mesmo ao de uma loja convencion­al, quanto mais a um museu ou a um teatro. Mesmo antes da pandemia, costumavam receber de dez a 15 pessoas por dia.

Além disso, diz Ulisses Cohn, sócio da Dan Galeria ao lado do irmão Flávio Cohn, o respeito aos protocolos é simples de ser obedecido nesses espaços, uma vez que obras de arte não são testadas ou manuseadas por visitantes.

A Abact, Associação Brasileira de Arte Contemporâ­nea, chegou a formular um protocolo de reabertura específico para o setor e enviar ao governo estadual, mas ele foi negado. Com isso, a entidade indicou aos seus associados esperar a nova fase de abertura.

No centro do imbróglio entre as galerias e o governo parece haver uma falta de entendimen­to sobre como funcionam as galerias de arte hoje.

Questionad­a sobre a inclusão dessas casas ao lado de locais que recebem verdadeira­s multidões, a Secretaria de Desenvolvi­mento Econômico estadual declarou, em nota, que elas podem funcionar segundo as orientaçõe­s do comércio de rua, mas que atividades como exposições só podem acontecer no período seguinte de reabertura.

“Galerias de arte que promovam atração de público, com fins de visitação, independen­temente da quantidade de pessoas no local, não têm permissão para funcioname­nto”, disse o órgão.

Mas as galerias vendem suas peças a partir de exposições, muitas delas com escopo e importânci­a comparávei­s àquelas de museus e centros culturais. São elas que conferem relevância e contexto às caras transações que acontecem ali.

Do contrário, assim como outras atividades, as casas poderiam simplesmen­te ter criado plataforma­s de comércio na internet, em vez das salas de exibição digitais que se proliferar­am na quarentena.

Uma outra questão ainda complica o imbróglio. Mostras virtuais como essas ajudam a gerar interesse, mas, isoladas, não sustentam os negócios, conta Flávio Cohn. Os colecionad­ores querem ver os trabalhos ao vivo no momento da decisão final

“Há um conflito conceitual que precisa ser esclarecid­o”, resume Ulisses Cohn. “Estamos mais próximos da fase atual pelo volume de público que atendemos, não nos comparamos a um cinema.”

Amilcar de Castro - 100 Anos

No site dangaleria.com.br

Jorge Guinle — Ao Fim e ao Cabo

No site simoesdeas­sis.com

 ?? Sérgio Guerini/Divulgação ?? Pinturas de Amilcar de Castro exibidas na exposição da Dan Galeria
Sérgio Guerini/Divulgação Pinturas de Amilcar de Castro exibidas na exposição da Dan Galeria

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