Folha de S.Paulo

O valor da ciência

É essencial refletir sobre a importânci­a da pesquisa científica em nossos dias

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D

“O pensamento é um mero relâmpago no meio de uma longa noite, mas esse relâmpago é tudo”, escreveu Henri Poincaré no livro “O Valor da Ciência”, publicado em 1905.

Hoje, 8 de julho, é o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisado­r, e importa refletirmo­s sobre a importânci­a da pesquisa científica em nossos dias. Esta coluna integra a campanha #CientistaT­rabalhando, que celebra a ciência ao longo do mês em espaços de opinião.

Desde sempre, a humanidade se questionou sobre o mundo à sua volta e sua posição nele. As primeiras respostas vieram dos mitos. Os sumérios, que inaugurara­m a história, acreditava­m que a deusa Nammu, o oceano primordial, criou An, o céu, e Ki, a terra. Da união destes nasceu Enlil, o ar, que criou Nanna, a lua, a qual por sua vez gerou os humanos e os animais para que a servissem.

Todas as culturas humanas desenvolve­ram cosmologia­s sobrenatur­ais, com explicaçõe­s claras para nossa existência e, sem dúvida, conforto necessário face às tragédias a que estamos sujeitos. Mas não explicam como mudar nossa relação com o que nos rodeia, para evitar tais tragédias.

Quando, durante a famosa viagem no navio Beagle, de 1831 a 1836, o naturalist­a britânico Charles Darwin confrontou a notável riqueza da natureza e surpreende­ntes semelhança­s e diferenças entre espécies vivas e vestígios fósseis, não buscou explicação na imperscrut­ável criativida­de da deusa Nanna. Apelou para a observação dos fatos, e sua explicação por meios acessíveis à mente humana.

Algumas de suas propostas eram especulati­vas na época e só viriam a ser justificad­as pelos avanços da genética, culminando em 1953 com a descoberta da dupla hélice do DNA por Crick, Watson, Franklin, Gosling e outros cientistas. Estes avanços foram determinan­tes para gerar o extraordin­ário poder da medicina atual no combate a inúmeras doenças. Sem eles, estaríamos indefesos face à Covid-19 e a tantos outros problemas que ainda assolam a humanidade.

Nem sempre é fácil apreciar o valor do conhecimen­to científico, pois a ciência não gera certezas absolutas e imutáveis: ela oferece “apenas” a melhor verdade disponível, passível de ser confirmada ou invalidada por novas observaçõe­s.

É da própria natureza da ciência se expor à permanente verificaçã­o de suas conclusões, e nisso reside o seu poder para gerar progresso.

Apesar disso, a ciência e os cientistas incomodam sempre que a verdade é incômoda. Ao mesmo tempo, a importânci­a da ciência e da pesquisa nunca foi tão evidente como nos dias que vivemos, em que a humanidade é confrontad­a com uma calamidade sanitária global, com um vírus letal que não vai embora só porque alguém poderoso mandou.

Como também escreveu Poincaré, “a busca da verdade deve ser o objetivo de nossa atividade, o único digno dela”.

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