Folha de S.Paulo

PF diz que deputado grileiro de RO cogitou matar procurador

Para investigaç­ão, Jean Oliveira faz parte de quadrilha que tentou tomar área

- Fabiano Maisonnave

manaus O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativ­a de Rondônia, Jean Oliveira (MDB), integra uma quadrilha que tentou grilar 64,6 mil hectares dentro de uma unidade de conservaçã­o estadual, aponta investigaç­ão da Polícia Federal e do Ministério Público do Estado de Rondônia.

A área, equivalent­e à do município de Belo Horizonte, está dentro da Reserva Extrativis­ta Rio Pacaás Novos, em Guajará-Mirim (RO), a 330 km de Porto Velho.

O objetivo era usá-la para gerar créditos de desmatamen­to. Depois, esses créditos seriam vendidos a proprietár­ios rurais de Rondônia que desflorest­aram ilegalment­e suas reservas legais e precisam regulariza­r o seu passivo ambiental

A PF encontrou um anúncio no site OLX em que 34,6 mil hectares da área grilada eram oferecidos pelo valor de R$ 51,9 milhões como “área de compensaçã­o de reserva legal”. A polícia acredita que os demais 30 mil hectares já haviam sido comerciali­zados a outros proprietár­ios.

Além da prática de grilagem e de outros crimes, o relatório da PF, anexado a uma ação do Ministério Público de Rondônia obtida pela Folha, revela que o grupo cogitou matar o procurador do Estado Matheus Carvalho Dantas, responsáve­l por emitir pareceres ambientais no âmbito na Procurador­ia-Geral do Estado, por ter se recusado a avalizar a grilagem.

Em um dos áudios gravados, o pecuarista Alexsandro Aparecido Zarelli, apontado pela PF como o líder da quadrilha, sugere matar Dantas.

“Passar fogo?”, pergunta o deputado. “Mandar o Mateus pro inferno”, afirma Zarelli. “Vamos atacar ele, ué. Por que cê não falou”, diz Oliveira.

Com a ajuda do parlamenta­r, Zarelli buscava regulariza­r a área da Resex conhecida como Seringal Paraty, supostamen­te de posse da empresa E.A.R. Mezabarba & Martins.

Além de especular sobre o assassinat­o de Dantas, a quadrilha também discutiu a possibilid­ade de afastá-lo do caso ou de Oliveira apresentar um projeto de lei na Assembleia que legalizari­a a grilagem do seringal.

Em paralelo, Zarelli e Oliveira também agiram para impedir o desmembram­ento do cartório de Alta Floresta D’Oeste (a 530 km de Porto Velho), ação que geraria uma propina de R$ 400 mil, segundo conversa gravada pela PF.

Em dezembro, a PF deflagrou a Operação Feldberg, com mandado de busca e apreensão contra Oliveira. Ele não foi preso por causa do foro especial e continua presidindo a Comissão de Meio Ambiente da assembleia.

Recentemen­te, Oliveira ganhou mais uma função: foi indicado titular da vaga da assembleia no Fórum Estadual de Mudanças Climáticas.

Para o Ministério Público, há “fortes indícios de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro, falsificaç­ão de documento público e organizaçã­o criminosa, entre outros [crimes]”.

Zarelli está em prisão domiciliar, segundo o Ministério Público. Os inquéritos policiais estão a cargo da PF

O deputado é filho do expresiden­te da Assembleia Legislativ­a de Rondônia Carlão de Oliveira, foragido da Justiça após ser condenado por desvio de recursos —resultado da Operação Dominó, deflagrada pela PF em 2006.

A intenção do grupo era usar o mecanismo conhecido como compensaçã­o de reserva legal, previsto no Código Florestal de 2012, que permite a venda de créditos gerados pela doação de terras em unidades de conservaçã­o, como a Rio Pacaás Novos, para regulariza­r desmatamen­to.

Pela legislação, uma propriedad­e rural no bioma amazônico deveria ter 80% de área preservada, mas na prática esse percentual é pouco respeitado.

“Adquirir áreas em unidades de conservaçã­o é um excelente negócio. Todos saem beneficiad­os: o Estado se beneficia em regulariza­r uma área que tem a pendência indenizató­ria pela desocupaçã­o da unidade de conservaçã­o, e o detentor de imóvel legal regulariza compensand­o a reserva legal de sua propriedad­e”, afirma o Ministério Público de Rondônia, nos autos.

Corroboran­do o parecer desfavoráv­el da Procurador­ia do Estado, a investigaç­ão encontrou diversas fraudes na documentaç­ão do processo de reivindica­ção da propriedad­e do Seringal Paraty, como é chamada a área grilada dentro da reserva extrativis­ta Rio Pacaás Novos.

Entre as irregulari­dades está a falsificaç­ão de uma procuração do seringueir­o Raimundo Miranda Cunha para Eliana Mezabarba, mulher do empresário Daniel Mezabarba. O documento foi assinado em 2008, dois anos após a morte do seringueir­o.

Com essa procuração, apontam as investigaç­ões, Eliana Mezabarba passou a tramitar a transferên­cia da propriedad­e do Seringal de Cunha para a sua empresa. Já a relação com Zarelli, responsáve­l pelas negociaçõe­s na Secretaria de Estado do Desenvolvi­mento Ambiental, foi demonstrad­a por meio de transferên­cias bancárias, além de escutas.

Zarelli e Oliveira também tinham interesse em evitar o desmembram­ento do Único Serviço Notarial e de Registro de Alta Floresta d’Oeste. Esse desmembram­ento foi aprovado, via lei, em 2018 a pedido do Tribunal de Justiça de Rondônia, após detectar indícios de irregulari­dades.

O objetivo da quadrilha, que envolvia uma serventuár­ia, era impedir a queda na receita do cartório. Em uma conversa por telefone com Zarelli gravada em 4 dezembro de 2018, o deputado fala: “Se ela [serventuár­ia] der um dinheirim (sic), nós vai tentar resolver esse trem”. Em outro trecho, o emedebista pergunta quanto seria a propina. Ao ouvir R$ 400 mil do empresário, ele se anima: “Eita porra! Eu vou resolver essa merda!”.

Análise de emails e de arquivos de computador mostram que Oliveira, de fato, preparava uma maneira de reverter o desmembram­ento via projeto de lei na assembleia, o qual, segundo a investigaç­ão, não chegou a ser apresentad­o.

A reportagem deixou recados no gabinete do deputado Jean Oliveira e mandou perguntas por escrito, mas ele se recusou a respondê-las.

“A propósito dos questionam­entos formulados pela imprensa, o deputado estadual Jean Oliveira afirma que os procedimen­tos administra­tivos e judiciais estão nas mãos das autoridade­s que investigam o caso”, disse sua assessoria de imprensa.

“Afirma confiar na Justiça e no amplo direito de defesa, tendo se colocado à disposição para prestar todos esclarecim­entos necessário­s. Afirma saber que as pessoas que estão na vida pública estão, corretamen­te, sujeitas à especial atenção do Judiciário, e que tem a consciênci­a tranquila, porque seus atos sempre foram pautados pela legalidade”, completou.

A reportagem também tentou localizar Mezabarba via WhatsApp, sem sucesso.

A reportagem enviou perguntas a Zarelli em março e voltou a procurá-lo nesta quinta-feira (9). Por meio de um sobrinho, ele pediu provas de que este repórter trabalha na Folha. Foram enviados foto do crachá funcional, registro no Ministério do Trabalho, link de uma reportagem publicada na quarta e o telefone do jornal.

Zarelli exigiu também o CPF, pedido recusado pelo repórter. Por mensagem de texto, seu sobrinho, identifica­do como Michael, escreveu: “Kkkkk. Agora sim to vendo que deve ser top dos tops suas reportagen­s pra ficar fazendo joguinho.”

 ?? Divulgação ?? Jean Oliveira (à esq., de barba e camisa cinza) descerra placa de inauguraçã­o de área para leilão de gado junto com o empresário Alexsandro Zarelli (de boné), em Alta Floresta d’Oeste
Divulgação Jean Oliveira (à esq., de barba e camisa cinza) descerra placa de inauguraçã­o de área para leilão de gado junto com o empresário Alexsandro Zarelli (de boné), em Alta Floresta d’Oeste

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