Folha de S.Paulo

Eleitoras podem ser decisivas em pleito na Polônia

Contra retórica conservado­ra, eleitoras apoiam rival do atual presidente

- Ana Estela de Sousa Pinto

Em busca da reeleição amanhã, o presidente conservado­r Andrzej Duda tentou se aproximar do eleitorado feminino, relata a enviada Ana Estela de Sousa Pinto. O rival de Duda tem vantagem entre as polonesas.

Quando lançou “As Freiras Partem em Silêncio”, Marta Abramowicz não imaginava que a história de religiosas que deixaram seus conventos faria tanto sucesso.

Três anos e 60 mil cópias depois, a escritora de 41 anos faz uma ligação entre o fenômeno editorial e o disputado segundo turno da eleição presidenci­al na Polônia, que acontece neste domingo (12).

Para ela, o livro de não ficção conta uma história de opressão e submissão que encontra eco na realidade das mulheres polonesas em geral.

Formada em psicologia e ciências sociais, ela diz que freiras jovens foram proibidas pelas madres superioras de ler a obra. “Mas por quê? É a verdade sobre nossas vidas”, questionar­am as mais novas. “Sim, é a verdade. Mas não deve ser lida”, foi, segundo Abramovicz, a resposta das mais velhas.

“O mesmo se passa com os direitos das mulheres na sociedade polonesa. Há uma verdade que não pode ser revelada em voz alta”, afirma a escritora, para quem as mulheres são as maiores vítimas do conservado­rismo e podem ser o principal instrument­o de mudança nessas eleições.

Abramovicz diz que nas cidades menores do leste e do sul do país, região que dá os maiores índices de votos ao PiS (Lei e Justiça, partido do atual governo), “há alguns anos não havia a menor possibilid­ade prática de uma mulher se divorciar, mesmo que fosse vítima de violência”.

O presidente Andrzej Duda, que concorre à reeleição com apoio do PiS (na Polônia, presidente­s não podem ser filiados), já afirmou que a Convenção de Istambul, instrument­o europeu de combate à violência doméstica e proteção às vítimas, deve ser abolida.

Políticas do PiS, como Beata Kempa, já declararam que “a igualdade de gênero é simplesmen­te heresia”, e na visão de família defendida pelos conservado­res “cada mulher deve carregar sua cruz”.

Na estimativa das organizaçõ­es de direitos humanos, mais de 700 mil mulheres por ano carregam essa cruz em silêncio na Polônia. Os casos de violência doméstica registrado­s são cerca de 90 mil por ano, mas pouco mais de 10% das vítimas fazem denúncias, segundo pesquisado­res.

Para angariar a boa vontade feminina, o PiS tem incentivad­o a criação de Círculos de Donas de Casa nas regiões rurais, aos quais destinou em 2018 o equivalent­e a R$ 22 milhões e, em 2019, outros R$ 40 milhões.

O partido do governo também aumentou os gastos em programas sociais, entre eles o pagamento de 500 zlótis (R$ 676) mensais por criança, verba que faz bastante diferença nas regiões mais pobres.

Mesmo assim, pesquisas de intenção de voto mostram que, na preferênci­a das mulheres, o presidente polonês aparece mais de dez pontos percentuai­s atrás de seu rival, o atual prefeito de Varsóvia, Rafal Trzaskowsk­i (pronuncia-se Tshaskófsk­i). Entre mulheres jovens, o prefeito tem o dobro da preferênci­a.

Trzaskowsk­i também tem tentado conquistar as famílias mais tradiciona­is com armas semelhante­s às de Duda. Apesar de seu partido, Plataforma Cívica, ter sido contrário aos benefícios, o prefeito garantiu que vai manter o auxílio por criança e acrescenta­r um pagamento de 200 zlótis mensais (R$ 270) para as mulheres quando se aposentare­m, como compensaçã­o pela dupla ou tripla jornada durante a vida.

Sem um campo de batalha na questão feminina, o PiS voltou suas baterias para os homossexua­is. Duda enviou à Assembleia um projeto de emenda à Constituiç­ão que proíbe a adoção de filhos por casais do mesmo sexo, mesmo que a criança seja filha biológica de um dos parceiros, medida que pode afetar até 50 mil crianças polonesas das chamadas “famílias arco-íris” no país, segundo o relatório “Famílias de Escolha”, de cuja edição Abramowicz participou.

Uma das fundadoras da ONG Campanha Contra Homofobia, a escritora coordenou em 2003 a iniciativa “Deixe que nos Vejam”, que espalhou pelo país fotos de casais homossexua­is de mãos dadas. Até então, para aparecer na mídia, pessoas LGBT pediam para ter o rosto escondido e a voz desfigurad­a, afirma ela.

Com a visibilida­de, veio também mais resistênci­a, “e o PiS passou a promover o ódio entre as pessoas”, afirma Abramowicz. “A situação piorou tanto que até nossos filhos passaram a ser atingidos”, diz, apontando como exemplo o ataque de nacionalis­tas a um piquenique de famílias arco-íris, em 2018. Até então promovido anualmente por dez anos, ele parou de acontecer, para evitar que as crianças sofressem violência.

Segundo Abramowicz, o movimento anti-LGBT começou com uma retórica inflamada, o que estimulou o comportame­nto mais agressivo de “tropas nacionalis­tas”. Agora, o governo está levando sua ideologia às esferas política e jurídica, como na emenda sobre a adoção.

“Muitas famílias arco-íris são tratadas com solidaried­ade e apoio pelos outros pais em sua vizinhança, nos jardins de infância, nas escolas. Ninguém questiona seu status. Mas, quando ouvimos pessoas dizendo coisas terríveis na TV, somos assolados pelo terror”, afirma ela.

Sob ataques do atual presidente, que afirmou em discurso que Trzaskowsk­i ia “entregar as crianças polonesas aos gays”, o prefeito de Varsóvia também declarou ser “contra a adoção de filhos por casais do mesmo sexo”, o que pode lhe tirar votos dos homossexua­is, segundo ativistas LGBT ouvidos pela Folha.

“Mesmo que a maioria entenda que ele foi forçado a fazer essa declaração para não perder votos da população mais ampla, isso pode desanimar parte de seus eleitores”, afirma Abramowicz.

Segundo ela, na ponta do lápis, a estratégia pode fazer sentido (homossexua­is são estimados em 2% da população). “Mas, numa corrida eleitoral tão apertada, com pesquisas apontando empate a dois dias da votação, 1 ponto percentual pode ser a distância entre a vitória ou o fracasso”, diz ela.

“Há alguns anos não havia a menor possibilid­ade prática de uma mulher se divorciar, mesmo que fosse vítima de violência Marta Abramowicz psicóloga, cientista social e autora do livro ‘As Freiras Partem em Silêncio’

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Kacper Pempel - 9.jul.20/Reuters O prefeito de Varsóvia, Rafal Trzaskowsk­i, em campanha; ele está dez pontos à frente de seu rival na preferênci­a feminina

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