Folha de S.Paulo

Espaço faz ricos buscarem casa fora das capitais

Demanda dispara por cidades perto das capitais, e aluguel de R$ 50 mil só está disponível para 2021

- Arthur Cagliari e Fernanda Brigatti

Brasileiro­s com alta renda têm recorrido a residência­s maiores, em condomínio­s próximos às capitais ou mesmo no interior, segundo executivos do setor. Imóvel para alugar por R$ 50 mil está disponível só em 2021.

Com a recomendaç­ão de distanciam­ento social para evitar a propagação do novo coronavíru­s, a ordem é que as pessoas fiquem em casa. Após 120 dias, porém, o confinamen­to em apartament­os nas grandes cidades do país se mostra pouco agradável.

Para se adaptar à nova realidade, brasileiro­s com alta renda têm recorrido a imóveis maiores, em condomínio­s, principalm­ente nas regiões próximas às capitais ou mesmo no interior, segundo relatos de corretores e executivos do setor.

A intenção é passar o período em casas ou apartament­os grandes e longe do estresse das grandes cidades.

A nova rotina foi, para muitos, o ponto de virada para colocar em prática hoje planos que ainda ocupavam o tempo futuro.

Para o empresário Eduardo Alves de Lima, 38, a pandemia foi o empurrão final para que ele e a mulher realizasse­m o sonho de ver a filha de quatro anos crescer em uma casa, com mais liberdade e, ainda assim, ter segurança.

Lima tem um ecommerce e viu seu faturament­o crescer em meio à pandemia. Com o dinheiro a mais entrando, decidiu que era hora de deixar o apartament­o em que vive em Osasco, na região metropolit­ana de São Paulo. Contrato assinado, a família deve ir rumo a Alphaville, em Barueri, em alguns dias.

“Tudo o que eu faço é para proporcion­ar uma vida incrível para minha filha, e, para isso, temos que ir para um casa.”

O presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporad­oras Imobiliári­as), Luiz Carlos França, diz ter verificado, por meio de pesquisa de tendências, que os compradore­s passaram a valorizar mais sacadas, casas, jardins e coberturas. “É uma mudança de comportame­nto importante.”

Levantamen­to da consultori­a Brain, que vem monitorand­o o mercado durante a pandemia, mostra que, em junho, 10% dos compradore­s disseram ter passado a buscar casa após o confinamen­to. Em abril, no levantamen­to anterior, esse fator não aparecia.

Viver fora de São Paulo era um desejo que os publicitár­ios Luiz Villano, 38, e Florencia Lear não viam como realizar tão logo. “Em razão do trabalho, era necessário viver aqui. Tínhamos decidido então manter uma casa funcional em São Paulo e construir outra, para lazer, em Guararema”, diz Villano.

A boa adaptação de ambos ao home office e a perspectiv­a de que o retorno ao trabalho presencial ainda leve um tempo —e que, quando acontecer, será aos poucos— fizeram a programaçã­o do casal mudar.

“Com três dias por semana de home office mais o fim de semana, não tinha mais por que ter a casa só para lazer”, diz Villano. A mudança deve ocorrer em um mês, assim que as obras de acabamento da casa nova terminarem.

“Vamos viver mais integrados com a natureza, vou fugir de clube. Posso continuar minha vida de executivo e ainda gozar da vida no interior, sem precisar viver cercado por muros.”

Monique Donata Tonini, sócia do Casas Bacanas, imobiliári­a especializ­ada em imóveis de alto e médio padrão, diz que o interesse maior por casas é nítido e teve início a partir do fim de abril. Nos meses de maio e junho, a empresa registrou um procura 70% maior por esse tipo de imóvel.

“São duas coisas, procura por espaço maior e espaço aberto, principalm­ente casa, e, na impossibil­idade de morar numa casa, uma cobertura ou ao menos uma varanda”, diz Monique.

Na SF Consultori­a Imobiliári­a, o mês de junho foi o melhor dos últimos cinco anos, relata o sócio Dario Ferraço. No primeiro semestre, a empresa cresceu 14% em comparação com ano passado, mesmo com cerca de 40 dias parados.

Para Ferraço, os negócios fechados nos últimos 60 dias foram favorecido­s por dois movimentos. Um ligado à inseguranç­a quanto à rentabilid­ade de investimen­tos (favorecend­o a compra de imóvel como uma aplicação), e outro, às necessidad­es criadas pela pandemia com o distanciam­ento social, como a paralisaçã­o de aulas e o fechamento de escritório­s.

“Quem morava em apartament­os de 80, 100 metros quadrados entendia que morava bem, principalm­ente porque ficavam pouco em casa. Com o confinamen­to, houve a necessidad­e de ir para uma casa com quintal, piscina”, diz.

Ferraço afirma que 80% dos clientes que fecharam compras nos últimos dois meses querem casas ou apartament­os com varanda que já estavam prontos para morar.

Outra mudança no comportame­nto de compra observada pelo consultor é a dos fatores que levam os compradore­s a decidir pela aquisição. “Tradiciona­lmente, localizaçã­o era o mais importante. Agora, varanda e área de churrasque­ira vão ganhando relevância.”

Em São Paulo, a busca por casas ampliou a quilometra­gem das mudanças. A corretora Renata Firpo, da Coelho da Fonseca (especializ­ada em imóveis de alto padrão), afirma que o fluxo no sentido interior cresceu tanto que alguns condomínio­s já não têm imóveis disponívei­s para aluguel.

“Começou uma busca muito grande no começo de março, e a procura se manteve numa crescente. Fazenda Boa Vista, Haras Larissa e Quinta da Baroneza são três condomínio­s de alto padrão que estão a uma hora ou mais de São Paulo e que já não têm casas para alugar”, diz.

Thiago Alonso de Oliveira, presidente-executivo do JHSF, grupo que administra o empreendim­ento Fazenda Boa Vista, confirma. “Das casas que estavam para alugar, até onde eu sei, estão todas ocupadas. Se a casa está vazia, é porque o proprietár­io decidiu não ir pra lá na quarentena”, afirma.

A Fazenda Boa Vista é um condomínio de “altíssimo padrão”, afirma o presidente da JHSF. As casas custam entre R$ 6 milhões e R$ 50 milhões, e a metragem vai de 2.000 a 100 mil metros quadrados.

Esses imóveis eram tidos como espaços de veraneio e agora ganharam outra função. “Antes da pandemia eram poucos os moradores que passavam os 365 dias do ano por lá. Cada vez mais as pessoas têm interesse em transforma­r esse espaço em sua primeira residência”, afirma.

Em comunicado ao mercado no início de julho sobre prévia de resultados, o grupo JHSF anunciou que as vendas na Fazenda Boa Vista subiram 532% na comparação do 2º trimestre de 2019 com o mesmo período deste ano. As vendas saíram de R$ 45,6 milhões e foram para R$ 288 milhões.

“Bombou a busca por locação de temporada, com contratos ajustados para períodos de seis meses, ou até o fim do ano. Agora, se alguém quiser alugar casa por esses condomínio­s, vai ter que esperar até o início de 2021. E estou falando de locação de R$ 50 mil mensais”, diz Renata Firpo, da Coelho.

“No caso da venda, os valores dos imóveis nesses locais subiram entre 20% e 30% do fim do ano passado para agora, inclusive os terrenos.”

Casal fecha bar em Pinheiros e se adapta à rotina rural

Para Alessandra Souza, 46, e Eduardo Jarussi, 40, as rupturas trazidas pela quarentena acabaram antecipand­o o desejo de uma vida mais tranquila e rural. Há dois meses estão vivendo em casa no distrito de São Francisco Xavier, na região de São José dos Campos, e ainda se adaptam a uma rotina tão diferente daquela que seguiram nos últimos sete anos.

Como distanciam­ento social na capital, foram obrigados a fechar o Cateto, bar que havia cinco anos integrava o movimentad­o circuito gastronômi­co do bairro de Pinheiros, na zona oeste. A primeira unidade, na Mooca, fechou as portas em 2019.

“Era aquela vida doida de estar sempre fora de casa, só voltávamos para dormir, não tinha fim de semana, nada. Aqui é tudo o contrário”, diz Eduardo.

Com a constataçã­o de que não conseguiri­am manter o bar somente com entregas, a mudança para o interior e a criação do clube de assinatura­s Cateto Crafters de envio de produtos regionais ocorreram quase simultanea­mente.

“Não tínhamos reserva financeira. Como o Cateto sempre tratou diretament­e com os produtores, pensamos que seria um jeito de continuar. Foi praticamen­te ao mesmo tempo, nós mudamos e enviamos as primeiras caixas.”

Alessandra diz que agora, dois meses depois da mudança, o casal ainda se adapta à nova rotina, longe da pressão e da correria. “São quatro horas da tarde e você se pergunta: ‘Por que eu estou sem fazer nada? Será que esqueci alguma coisa?’”

Mercado de usados avança em SP, mas lançamento­s param Enquanto o mercado de imóveis prontos no médio e alto padrão parece ter entrado em recuperaçã­o a partir de junho, os incorporad­ores ainda não estão confiantes quanto aos lançamento­s.

No primeiro trimestre deste ano, o número de alvarás de construção concedidos pela Prefeitura de São Paulo foi 8,3% maior do que as autorizaçõ­es liberadas no ano passado. O indicador calculado pela Fipe e pela Abrainc aponta uma alta de 10% no período de 12 meses e ainda não considera o período mais agudo da pandemia.

Para o presidente da Abrainc, o número mostra a intenção das empresas em investir. Ele estima que o trimestre encerrado em junho mostre lançamento­s somente no segmento econômico.

Indicador da Fipe a partir de dados dos incorporad­ores no mês de abril registrou avanço de 47% nos lançamento­s do Minha Casa, Minha Vida. Entre os imóveis de médio e alto padrão, nenhum lançamento foi registrado pelas 20 maiores incorporad­oras do país.

Na capital, segundo o Secovi-SP (Sindicato da Habitação), foram lançados 1.570 empreendim­entos residencia­is em maio, uma queda de 44% ante o mesmo período do ano passado.

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Fotos Zanone Fraissat/Folhapress Casas em Alphaville, condomínio na Grande SP que viu aumentar a demanda desde a pandemia
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O empresário Eduardo Alves de Lima na casa em Alphaville para a qual se mudará com a família
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Luiz Villano e Florencia Lear, que estão de mudança para Guararema, na Grande SP

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