Meio-campo marca vida da equipe, diz Del Bosque dez anos após título mundial
Treinador campeão há dez anos com a Espanha destaca altruísmo da posição
são paulo Vicente del Bosque, 69, se autodefine como um “tipo raro”. Falar sobre as grandes glórias de sua carreira parece incomodá-lo, como se relembrar seu sucesso na função de treinador o deixasse de alguma forma desconfortável, envergonhado.
Neste sábado (11), a Espanha celebra os dez anos do título mundial conquistado na Copa do Mundo da África do Sul, o ápice de uma geração de jogadores que assinou seus feitos com um estilo marcado de jogar futebol.
“Há de se celebrar os dez anos do Mundial, mas tampouco tenho essa necessidade de celebrá-lo. Já se passaram dez anos”, diz Del Bosque em entrevista à Folha.
Aposentado desde 2016, o ex-técnico conta que, durante a quarentena em seu país, as TVs reprisaram as campanhas da seleção no Mundial de 2010 e na Eurocopa de 2012, ambas vencidas sob seu comando. Ele assistiu a todos os jogos, mas com o desprendimento de quem já não precisa vê-las com um olhar analítico.
Meio-campista como jogador, Vicente Del Bosque afirma que os atletas dessa posição são a alma de um time. Uma crença que ele tratou de reafirmar durante toda a sua trajetória à frente da equipe nacional e que acabou premiada, não por coincidência, com o gol de Iniesta que deu aos espanhóis o título mundial sobre a Holanda há dez anos em Joanesburgo.
Como técnico, é possível desfrutar da conquista da Copa no momento em que ela acontece ou é algo que só se desfruta com o passar do tempo?
Eu fui um privilegiado com esse esporte. Sofri muito pouco com o futebol, e é verdade que ganhamos mais do que perdemos. Mas também não creio que a derrota é algo para se exagerar. Há de se celebrar os dez anos do Mundial, mas tampouco tenho essa necessidade de celebrá-lo. Já se passaram dez anos. Sou um pouco estranho nesse sentido.
O senhor herdou uma equipe que havia acabado de ser campeã da Eurocopa. Muitas gerações viram a Espanha ter boas seleções e não vencer, algo quebrado pela equipe do Luis Aragonés em 2008. De que maneira receber o time campeão facilitou o seu processo na África do Sul?
Nós sempre dissemos que tivemos sorte de receber essa herança. O que procuramos fazer foi tentar não perdê-la e ainda melhorá-la. Lembramos com muito carinho do trabalho de Luis, que foi o principal fator para as conquistas futuras. E o mais importante, quando assumimos, foi ganhar a confiança dos jogadores.
Em uma entrevista recente ao El País, o senhor falou sobre o fascínio que Xavi e Iniesta lhe geravam nos treinos... Eu jogava
as bolas no campo, sempre havia seis ou sete. Eles pegavam uma delas e já começavam a passar, passar. E eu desfrutava disso, de como soava esse toque. Porque era um golpe na bola, não apenas um passe. Sentiam prazer nisso.
O termo ‘tiki-taka’ incomoda o senhor como incomoda a Guardiola?
Não me incomoda, mas são simplificações e simplificações são difíceis. O estilo tem a ver com a parte ofensiva e defensiva. Com exceção de um ou outro jogo em que sofremos por mérito do time contrário, foi esse o estilo que impusemos.
A Espanha chegou à Copa de 2010 como uma das favoritas, mas teve um caminho muito difícil até o final. A derrota para a Suíça ainda na fase de grupos é um exemplo. Como vocês viveram esse revés?
Com dor, foi um momento muito difícil. Pouco a pouco conseguimos levar as coisas adiante, ainda tínhamos seis partidas pela frente. Falei aos jogadores, com um pouco de ironia, que faltavam seis jogos e que, se ganhássemos os seis, seríamos campeões. Não era um desafio descabido.
Discute-se muito a importância que o Barcelona do fim da década passada teve para a seleção espanhola, tanto no jogo como nos atletas. Você compartilha dessa visão?
Em diferentes etapas do trabalho, eu tive mais jogadores do Real Madrid em um momento, depois mais do Barça, em outro do Valencia. Houve até uma outra época em que havia um predomínio de jogadores do Liverpool. Eu fico com a opinião de que o estilo de jogo era da Espanha, não de um clube.
Sobre os meio-campistas, com tantos jogadores talentosos nesse setor, era praticamente inevitável que o gol do título fosse marcado por um meia?
Eu acredito muito no meio-campista. Normalmente são muito completos, com habilidade para defender, para construir. Ganhamos da Itália [na final da Euro] em 2012 com seis dos 11 jogadores sendo meio-campistas [Busquets, Xabi Alonso, Xavi, Iniesta, David Silva e Fàbregas]. Se tivéssemos perdido, seríamos todos mandados embora do país. Imagine só, jogar sem atacantes. E não tenho nada contra os centroavantes. Mas o meio-campista pensa mais no time do que nele mesmo. Está todo o tempo ao redor da bola e marca um pouco o que é a vida de toda a equipe.
Tivemos o aniversário do 7 a 1 que o Brasil sofreu para a Alemanha em 2014. Nesse Mundial, a Espanha também foi goleada, pela a Holanda, por 5 a 1. Foi o fim de um ciclo para a sua seleção?
Essa vitória da Alemanha foi a vitória absoluta do futebol. Não porque foi a Alemanha quem ganhou e nem porque foi o Brasil quem perdeu. Mas porque o Brasil era o anfitrião e se dizia muito que tiraria alguma vantagem disso. Esse jogo mostrou como o futebol limpo levou ao caminho distinto do que todo mundo pensava. Sobre o jogo da Holanda, é curioso, porque ganhávamos por 1 a 0 até o fim do primeiro tempo e eles empataram. No vestiário, havia uma sensação de que estávamos perdendo, mas não, estava 1 a 1. A Holanda nos derrotou e nada mais. Há de se parabenizar os holandeses mais do que criticar os nossos jogadores. Mas não foi o fim de nossa geração, todos seguiram jogando em grandes equipes. Fomos onde tínhamos de ir.