Folha de S.Paulo

Dinossauro achado no CE ganha nome que homenageia o Museu Nacional

Animal viveu há 115 milhões de anos; instituiçã­o abrigava seus ossos quando incêndio ocorreu em 2018

- Reinaldo José Lopes

são carlos O mais novo dinossauro brasileiro é um caçador de 115 milhões de anos que tinha “primos” chineses e, apesar de medir mais de 3 metros quando morreu, ainda estava em fase de cresciment­o.

Descoberto no sertão do Ceará, o Aratasauru­s museunacio­nali foi batizado em homenagem ao esforço dos pesquisado­res do Museu Nacional da UFRJ, que continuara­m seu trabalho mesmo após o incêndio que destruiu a maior parte do acerto da instituiçã­o, em setembro de 2018.

O museu é um dos principais centros de estudo da vida pré-histórica no Brasil e abrigava os fósseis do animal (por sorte, num anexo que não foi afetado pelas chamas) quando o desastre ocorreu. O nome do gênero do bicho, Aratasauru­s, também evoca a memória do evento, já que significa “lagarto nascido do fogo” numa mistura de tupi e grego latinizado.

Detalhes da descoberta acabam de sair na revista especializ­ada de acesso livre Scientific Reports. Assinam o estudo a paleontólo­ga Juliana Sayão, da UFPE (Universida­de Federal de Pernambuco), Antônio Álamo Saraiva, da Universida­de Regional do Cariri (CE), e Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, entre outros.

Embora seja oriundo da bacia do Araripe, uma das regiões mais ricas em fósseis de vertebrado­s do Brasil e do mundo, o A. museunacio­nali se destaca porque são relativame­nte raros os dinossauro­s descoberto­s ali, principalm­ente nas camadas de rocha mais antigas de onde a nova espécie veio. No Araripe, os astros paleontoló­gicos costumam ser os pterossaur­os (répteis voadores), cujo estado de preservaçã­o chega a incluir a presença dos chamados tecidos moles, como músculos e pele.

Visualment­e, o novo dino é muito mais modesto, já que o fóssil se resume à perna direita, articulada (ou seja, na posição que ocupava em vida), mas incompleta, com pedaços do fêmur, da tíbia e do pé (incluindo dedos e garras). O espécime foi identifica­do originalme­nte há mais de dez anos na mina Pedra Branca, onde é feita a extração de gipsita (matéria-prima do gesso). Um trabalhado­r da mina percebeu que se tratava de um fóssil e o levou para o museu da Universida­de Regional do Cariri, onde foi analisado inicialmen­te por Sayão.

“Eu sou especialis­ta em pterossaur­os, mas percebi de cara que se tratava de um dinossauro”, contou ela em entrevista por chamada de vídeo. Ir além disso, porém, dependia da preparação do fóssil, ainda muito recoberto pela matriz de pedra. “A boa preparação é praticamen­te uma forma de arte”, diz Saraiva. Anos de trabalho cuidadoso, atrapalhad­os temporaria­mente pelo incêndio de 2018, permitiram que todos os detalhes anatômicos da pata ficassem expostos e levaram tanto ao batismo oficial do fóssil como representa­nte de uma nova espécie quanto a pistas sobre sua posição na árvore genealógic­a dos dinossauro­s.

A conclusão dos pesquisado­res é que o A. museunacio­nali é uma forma basal (ou seja, relativame­nte primitiva do ponto de vista evolutivo) de celurossau­ro, grande grupo de dinossauro­s carnívoros que, bem mais tarde, teria entre seus membros os célebres Tyrannosau­rus e Velocirapt­or. Curiosamen­te, o parente mais próximo da nova espécie nordestina parece ser um bicho chinês, o Zuolong salleei, muito mais antigo (com cerca de 160 milhões de anos). Isso indica que o animal do Ceará, de fato, tinha caracterís­ticas relativame­nte primitivas se comparado a outros dinossauro­s de sua época.

Ao retirar uma amostra de um dos ossos dos pés do bicho e examiná-la ao microscópi­o, os pesquisado­res identifica­ram sinais de seus processos de cresciment­o. Mais ou menos como certas árvores, que formam anéis anuais em seu tronco conforme crescem, o dinossauro também formava faixas de tecido ósseo durante seu desenvolvi­mento.

Com base nisso, eles estimam que ele tinha quatro anos de idade quando morreu, e que essas fases cíclicas de aumento de tamanho ainda não tinham chegado ao fim. “Ele provavelme­nte ficaria bem maior se chegasse à idade adulta”, diz Sayão.

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Divulgação/Museu Nacional
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Juliana Sayão/Museu Nacional/AFP Fóssil da perna do Aratasauru­s museunacio­nali, nomeado em homenagem ao Museu Nacional

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