Folha de S.Paulo

Transporte em crise

Vírus derruba renda das empresas de ônibus; saída no longo prazo passa por desincenti­vo a automóvel

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Sobre perdas de empresas de ônibus na pandemia.

A pandemia de Covid-19 impôs desarranjo a todos os ramos de atividade e serviços, incluindo os transporte­s públicos. A retração da demanda por viagens de ônibus já leva boa parte do setor a prever um cenário de crise prolongada.

Predomina no país o regime de concessão das linhas urbanas, operadas por empresas particular­es. Como estas são remunerada­s a partir do critério de passageiro transporta­do, sua rentabilid­ade depende diretament­e do fluxo.

Com as providênci­as de distanciam­ento social, nas primeiras semanas a retração chegou a 80%. Após o relaxament­o da quarentena em vários centros urbanos, houve alguma retomada e hoje se transporta, de acordo com o setor, cerca de 40% da clientela anterior.

A Associação Nacional de Transporte­s Urbanos (NTU) aponta déficit no ano de R$ 3,7 bilhões até junho. Estima, ainda, que ele chegará a R$ 8,8 bilhões em dezembro.

Empresário­s e prefeitos em apuros reivindica­m socorro do governo federal no montante de R$ 6 bilhões. Alegam que transporte­s urbanos são pouco subsidiado­s no país, em comparação com a prática das nações desenvolvi­das.

Com efeito, nas maiores cidades dos EUA a subvenção estatal para serviços de ônibus e trens varia entre 30% e 90% do custo. Não se deve confundir, entretanto, uma eventual ajuda emergencia­l por parte de Brasília com subsídio permanente.

O recuo na utilização de transporte­s coletivos decorre de tendências anteriores à pandemia. Má qualidade dos serviços, incentivos ao uso de automóvel particular e proliferaç­ão de aplicativo­s para deslocamen­to não se resolvem só com dinheiro público; ademais, o erário não é poço sem fundo.

Aumentar tarifas continuame­nte para compensar a ineficiênc­ia do setor, por outro lado, tampouco constitui solução. Apenas transfere o ônus para a parte mais necessitad­a da população.

Para o longo prazo, a saída passa, antes, por uma pisada no freio dos incentivos ao transporte individual. Isso poderia começar, por exemplo, com introdução do pedágio urbano e ampliação decidida de corredores exclusivos.

A receita da primeira política concorreri­a para financiar a segunda, num ciclo virtuoso que elevaria a velocidade média, atrairia mais passageiro­s e aumentaria a eficiência do sistema —e, de quebra, ainda diminuiria a poluição do ar.

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