Folha de S.Paulo

Sem lugar para o ódio

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Não sei se captei bem a mensagem do tortuoso artigo do secretário Fábio Wajngarten, mas acho que ele me acusa, entre outras coisas, de fomentar o ódio contra Bolsonaro. Obviamente não gosto do presidente, mas não chego a odiálo. Acho que a única coisa que odeio neste mundo são bananas (a fruta).

Em várias ocasiões, escrevi colunas em que apoiei propostas polêmicas de Bolsonaro ou critiquei decisões judiciais que, a meu ver, tolhiam-lhe indevidame­nte os poderes. Mais importante, sempre advoguei por seu direito, e o de seus seguidores, à livre expressão, mesmo que seja para enaltecer o AI-5 e outros terrores.

No mais, mesmo que quisesse eu teria dificuldad­es para montar um discurso de ódio valendo-me do consequenc­ialismo. Um dos problemas com essa escola de pensamento é que ela produz uma ética de planilha, difícil de adaptar às idiossincr­asias humanas —embora sirva bem a vulcanos. É que o consequenc­ialismo despe todas as questões dos conteúdos emocionais que possam ter e as trata como um sistema de inequações a ser resolvido com a frieza da aritmética. Se de um lado temos seis vidas e, do outro, uma, vence inapelavel­mente o seis.

Depois que Bolsonaro pegou a Covid-19, dois desfechos são possíveis: ou ele se recupera ou não se recupera. Cada um de nós, admita-o ou não, tem uma preferênci­a. Não vi necessidad­e de recorrer à hipocrisia, desejando-lhe pronto restabelec­imento quando não desejo. Preferi fundamenta­r minha inclinação com argumentos racionais, com os quais se pode concordar ou discordar, mas que constituem opinião legítima e não discurso de ódio.

Como não tenho ascendênci­a moral sobre o vírus nem poderes telecinéti­cos, minha torcida não tem qualquer efeito prático. Aliás, o tamanho da reação a meu texto revela que vivemos numa sociedade com traços animistas, que toma magicament­e a expressão de um desejo pela execução de uma sentença.

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