Folha de S.Paulo

Caras de pau

- Julianna Sofia

brasília Márcia Aguiar é beneficiár­ia do maior programa emergencia­l de transferên­cia de renda que o Brasil experiment­ou em décadas. Os números são superlativ­os: 65 milhões de brasileiro­s atendidos e a injeção de R$ 254 bilhões neste ano para mitigar os efeitos devastador­es da pandemia na já abissal desigualda­de entre ricos e pobres no país.

Trata-se de um escárnio, no entanto. Márcia está foragida. É mulher de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro envolvido no escândalo das rachadinha­s, e recebeu duas parcelas do auxílio de R$ 600.

Não foi a única a refestelar-se. Outros 565 mil brasileiro­s, pelos cálculos do TCU (Tribunal de Contas da União), receberam indevidame­nte parcelas do auxílio emergencia­l. Há na lista mortos, presos, residentes no exterior, servidores aposentado­s e, como a senhora Queiroz, pessoas com mandados de prisão expedidos pela Justiça.

O grupo inclui também trabalhado­res atendidos atualmente com outros benefícios do governo, como a ajuda a empregados com contratos suspensos ou jornada e salários reduzidos. Há ainda um contingent­e nada desprezíve­l de ao menos 50 mil militares contemplad­os irregularm­ente com o auxílio emergencia­l.

Os gastos indevidos somaram R$ 427,3 milhões, segundo o TCU. Muitos, de boa-fé, pediram espontanea­mente a suspensão dos pagamentos. Mas, na Terra Brasilis, aos caras de pau foram necessária­s medidas administra­tivas e judiciais para cancelar os desembolso­s e determinar o ressarcime­nto das fraudes. Causa surpresa que, no caso dos militares, menos da metade da tropa tenha optado até agora pela corretude de devolver os recursos irregulare­s.

Estima-se oficialmen­te que 72% das famílias brasileira­s que acessaram o auxílio tenham sido içadas da situação de extrema pobreza devido ao recebiment­o do benefício. Lares que foram poupados de sobreviver com uma renda mensal de até R$ 89 por pessoa.

Uma boa nova em meio a tanta desfaçatez.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil