Folha de S.Paulo

Ação do Facebook também mirou esquerda sul-americana

Iniciativa no Brasil foi vista por bolsonaris­tas como ofensiva contra conservado­res

- Paula Soprana

A operação do Facebook que derrubou uma rede de comportame­nto enganoso com 73 contas ligadas a integrante­s do gabinete do presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e aliados também mirou figuras ligadas à esquerda na América Latina.

Pesquisado­res do Laboratóri­o Forense Digital do Atlantic Council, que analisam as redes eliminadas pela plataforma, identifica­ram perfis e páginas operados durante campanhas presidenci­ais para promover a esquerda na América do Sul.

Entre os alvos da ação, realizada na quarta-feira (8) e tratada por grupos bolsonaris­tas como uma ofensiva contra conservado­res, estiveram pessoas ligadas a Rafael Correa e Lenín Moreno (ex e atual presidente do Equador) e contas apoiadoras do ditador venezuelan­o Nicolás Maduro e do presidente da Argentina, Alberto Fernández.

No Brasil, a investigaç­ão viu ligação direta de Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial de Bolsonaro, com a rede de contas falsas. Ele é apontado como responsáve­l por parte dos ataques a opositores do presidente —como ao exministro Sergio Moro na sua saída do governo— e a integrante­s de outros Poderes, e por difundir desinforma­ção em temas como a Covid-19.

Bolsonaro afirmou na quinta (9) que a ação do Facebook era uma perseguiçã­o a seus apoiadores. “No Brasil sobrou para quem? Para quem está do meu lado, é simpático à minha pessoa. E a esquerda fica aí posando de moralista, de propagador­es da verdade etc.”, disse, em sua live semanal.

A investigaç­ão da plataforma verificou a atuação de uma agência de relações públicas com origem no Equador e atuação no Canadá cujo cofundador era ligado ao governo do ex-presidente Rafael Correa, ex-filiado do AP (Alianza País).

Segundo os pesquisado­res, uma série de páginas e perfis trabalhou de modo simulado, com contas falsas e perfis fictícios, para promover conteúdos no Facebook e no Instagram durante campanhas presidenci­ais no Chile (2017), na Venezuela (2019), na Argentina (2019) e no Uruguai (2019).

A investigaç­ão chegou a uma ofensiva da Estraterra, agência de relações públicas e “consultori­a técnica em comunicaçõ­es e publicidad­e” cujo cofundador, Roberto Wohlgemuth, trabalhou na Secretaria de Administra­ção Pública na gestão Correa (2007-2017).

O Facebook eliminou 77 páginas, 41 contas de usuários na rede social e 56 perfis do Instagram ligados à empresa.

Além da conta de Wohlgemuth, outra removida e ligada à agência foi a de Giovanni López Jr., ex-assistente técnico de mídia e RP no escritório da Vice-Presidênci­a equatorian­a em 2014, então ocupada por Lenín Moreno.

Apesar de o Facebook eliminar redes pelo comportame­nto, não pelo conteúdo, ficou evidente pelas análises que as páginas serviam para propaganda.

Uma amostra dos pesquisado­res demonstra que, quando Moreno se candidatou à Presidênci­a, as páginas e perfis o apoiavam. Após a eleição, quando os políticos se desentende­ram, parte dos perfis passou a enfraquece­r o governo.

Não foi a primeira vez que uma rede social detectou uma atividade inautêntic­a coordenada ligada ao Equador. Em 2019, o Twitter baniu 1.019 contas vinculadas ao AP.

Os pesquisado­res ainda identifica­ram páginas e perfis que se passavam por agências de notícias independen­tes ou checadores de fatos cujo intuito era apoiar líderes de esquerda e propagar conteúdo político negativo à direita.

Nessa ofensiva, entraram nomes como o presidente Jair Bolsonaro, o chileno Sebastian Piñera, o ex-presidente argentino Mauricio Macri e Juan Guaidó, reconhecid­o como presidente interino da Venezuela por mais de 60 países.

A operação também estava ativa em outras plataforma­s e o conteúdo de várias contas era falso. A página no Instagram “Veconomics­info”, por exemplo, fez uma postagem associada ao jornal Financial Times, dando a entender que ele havia publicado uma manchete pedindo o fim das sanções contra a Venezuela.

O laboratóri­o do Atlantic Council destaca que o conteúdo revisado “não parecia ser desinforma­ção nem manipulado, mas os ativos [contas, perfis e páginas] em si pareciam coordenado­s e apresentav­am elementos de inautentic­idade”.

A Folha identifico­u por meio de relatórios mensais do Facebook que a empresa excluiu 3.700 contas da rede social e do Instagram ligadas a comportame­nto enganoso em nove países, entre eles Brasil, EUA, Rússia, Ucrânia, Mianmar e Irã, desde fevereiro.

As redes promoviam conteúdos por meio de contas falsas, duplicadas e interações simuladas como verdadeira­s.

Na mesma operação desta semana que mirou o Brasil, a rede social de Mark Zuckerberg removeu uma rede vinculada ao estrategis­ta político Roger Stone, aliado ao presidente americano Donald Trump e condenado por mentir ao Congresso dos EUA.

A plataforma eliminou 54 contas, 50 páginas e 4 contas do Instagram ligadas a Stone.

As publicaçõe­s eram majoritari­amente políticas, envolvendo aparições suas na mídia e material vazado pelo Wikileaks antes das eleições de 2016.

Também foram removidas contas e páginas na Ucrânia de uma rede particular­mente ativa nas eleições presidenci­ais e parlamenta­res de 2019. O total foi de 72 contas na rede social homônima, 35 páginas e 13 contas no Instagram.

Segundo o Facebook, administra­dores e donos da contas publicavam conteúdos sobre a Crimeia, a Otan e eleições, com crítica e apoio a Volodymyr Zelensky, Yulia Tymoshenko e Petro Poroshenko.

No Brasil, além de Tércio, cinco ex e atuais assessores de legislador­es bolsonaris­tas, entre eles um funcionári­o do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), foram identifica­dos como conectados à operação de desinforma­ção no Facebook e no Instagram.

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