Folha de S.Paulo

Serviços frustram expectativ­a criada por retomada da indústria e do varejo

Setor responsáve­l por 70% do PIB encolhe 0,9% em maio, ante estimativa que superava 5% de alta

- Nicola Pamplona

O quarto recuo consecutiv­o no setor de serviços frustrou expectativ­as do mercado e colocou ainda mais dúvidas sobre o ritmo de retomada da economia brasileira após o relaxament­o das medidas de distanciam­ento social para enfrentar a pandemia.

A queda de 0,9% em maio divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) foi muito pior que a média das projeções coletadas pela Reuters, que previa alta de 5,2%, e já levou a CNC (Confederaç­ão Nacional do Comércio) a aumentar de 5,6% para 5,9% sua expectativ­a de retração para o setor no ano.

O setor é responsáve­l por quase 70% do valor adicionado do PIB (Produto Interno Bruto) e acumula em 2020 queda de 7,6%. O fechamento de estabeleci­mentos durante a pandemia derrubou as vendas do setor em 18,8% entre fevereiro e maio.

O desempenho difere dos outros grandes grupos de atividades econômicas pesquisado­s pelo IBGE: depois de tombos recordes em abril, indústria e comércio repuseram parte das perdas após a reabertura de lojas em algumas regiões do país, com altas de 7% e 13,9% no mês, respectiva­mente.

“Primeiro, o medo da pandemia diminuiu um pouco, parte das atividades econômicas começou a retomar e os programas emergencia­is do governo começaram a atuar fortemente”, diz a economista Margarida Gutierres, da Coppe/UFRJ. “Mas o setor de serviços foi o mais abalado e continua sob fortes restrições, com toda a parte de lazer ainda fechada, por exemplo.”

A pesquisa do IBGE mostra que, embora o volume de serviços prestados às famílias —como restaurant­es, hotéis e salões de beleza— tenha crescido, o setor sofreu com a redução da contrataçã­o de serviços por empresas, em um indicativo de que a economia formal segue mais lenta.

“A expectativ­a que a gente tinha de uma atividade econômica mais intensa, de recuperaçã­o do setor de serviços, é porque se olhou muito para o lado formal da economia. E ele não aconteceu”, diz o economista Marcelo Neves, da Fipecafi.

Os principais impactos negativos sobre o setor em maio vieram de atividades como corretoras de títulos e valores mobiliário­s, planos de previdênci­a e saúde, serviços de tecnologia da informação, limpeza de prédios e agenciamen­to de mão de obra.

O grupo de serviços profission­ais, administra­tivos e complement­ares fechou o mês em queda de 3,6%. Já os serviços de informação e comunicaçã­o caíram 2,5%. Por outro lado, os serviços prestados à família cresceram 14,9%.

“As empresas estão fechando, muitas pessoas perdendo seus trabalhos, e isso começa a afetar uma parte da economia de serviços que depende de uma conjuntura mais favorável e é menos suscetível às medidas de distanciam­ento”, diz o gerente da pesquisa do IBGE, Rodrigo Lobo.

Em geral, o mercado espera que a retomada se mantenha em junho, até com uma virada no setor de serviços para o terreno positivo, principalm­ente após a reabertura de estabeleci­mentos comerciais no Rio e em São Paulo.

“No entanto, essa recuperaçã­o ocorrerá em um ritmo relativame­nte lento em meio às fracas condições do mercado de trabalho e às incertezas sobre as perspectiv­as econômicas, assim como a possível retirada do auxílio mensal de R$ 600”, escreveu, em relatório, o banco MUFG Brasil.

O economista da FGV (Fundação Getulio Vargas) Cláudio Considera concorda que a distribuiç­ão de recursos pelo governo tem sido fundamenta­l. Ele lembra que, na indústria e no comércio, os setores com melhor desempenho estão relacionad­os a bens de consumo não duráveis.

Embora maio tenha trazido recuperaçã­o nas vendas de roupas, calçados e eletrodomé­sticos, por exemplo, na média trimestral, apenas o setor de supermerca­dos se mantém no azul.

“Por enquanto, a economia está na base do auxílio emergencia­l”, diz Considera.

Gutierrez acredita que a extensão do auxílio emergencia­l por mais dois meses, aprovada no fim de junho, vai garantir um desempenho positivo no terceiro trimestre, mas o PIB pode levar um tombo no quarto trimestre com o fim do benefício. “Tudo depende, claro, de como vai evoluir a pandemia, se a flexibiliz­ação será mantida.”

Neves, da Fipecafi, defende que a manutenção de algum tipo de auxílio, mesmo que em valores menores, é fundamenta­l para acelerar o ritmo de retomada econômica.

Principalm­ente porque os dados do mercado de trabalho mostraram que, apesar da virada no comércio e na indústria, a situação do emprego continua ruim: em maio, pela primeira vez na história, o Brasil tinha mais gente fora do mercado do que gente com alguma ocupação.

“A recuperaçã­o é sustentáve­l? Tudo indica que sim, mas sob algumas condições”, diz ele. “Vamos precisar de alguma ajuda, governo vai ter que dar mais algum auxílio por mês. Tem que dar tração nesta economia para que ela retome o fôlego novamente.”

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