Folha de S.Paulo

Amazônia tem 14º mês seguido de alta de desmatamen­to, aponta dado do Inpe

Cresciment­o constante ocorre em meio a operações do Exército e pressão internacio­nal

- Phillippe Watanabe

são paulo O desmatamen­to na Amazônia teve mais um mês de alta em relação ao ano anterior, o 14º seguido, e é o maior desde 2016, segundo dados do Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O sistema mede a derrubada de floresta praticamen­te em tempo real e é usado para auxiliar ações do Ibama de combate a crimes ambientais.

O cresciment­o ocorre mesmo com a propagande­ada ação Verde Brasil 2, que colocou o Exército na floresta para ajudar no combate ao desmatamen­to, e com a pressão de investidor­es internacio­nais por ações do governo para combate ao desmate.

A destruição da floresta cresceu cerca de 10% em relação ao mesmo mês de 2019 e atingiu o maior valor de km² destruídos da série histórica recente, que começou em 2015. Junho registrou mais de 1.000 km² destruídos.

O Deter também pode ser usado para acompanhar a tendência de desmatamen­to na Amazônia, que tem sido crescente desde antes do início do governo Jair Bolsonaro.

Em relação a anos anteriores, os dados de junho de 2020 são ainda maiores. Em comparação com 2018, o desmatamen­to no mês passado cresceu quase 112%. Comparado a 2017, o aumento foi de 70%.

Ainda sob o governo Michel Temer, em 2018, houve seis meses seguidos de aumento de desmate em relação ao ano anterior. Em 2019, os alertas de desmatamen­to do Deter —e também os alertas de queimadas— foram colocados, sem apresentaç­ão de explicaçõe­s, em dúvida pelo presidente e sua equipe ministeria­l. No fim do ano, quando o Inpe apresenta o dado consolidad­o de quanto desmate ocorreu na floresta, veio o resultado: mais de 10.000 km² destruídos, recorde da década.

Nove meses sob Bolsonaro tiveram o recorde da série histórica do Deter. Além disso, quatro meses tiveram desmates acima dos 1.000 km² (três deles em 2019 e o mês de junho de 2020).

O conhecimen­to do desmatamen­to tem feito aumentar a desconfian­ça internacio­nal em relação ao comprometi­mento do Brasil de frear a destruição. Na quinta (9), representa­ntes de fundos de investimen­to e pensão estrangeir­os, em reunião com Hamilton Mourão, vice-presidente e chefe do Conselho Amazônia, afirmaram que vão considerar reduções no desmate para medir o compromiss­o do país com a agenda ambiental.

Também serão considerad­os a implementa­ção do Código Florestal, prevenção de incêndios na Amazônia (houve alta em junho, em relação ao mesmo mês de 2019) e dados transparen­tes de preservaçã­o.

Os fundos de investimen­to em questão administra­m cerca de US$ 4,1 trilhões (R$ 21,6 trilhões). O Planalto já teme fuga de investimen­to por causa da deterioraç­ão da imagem internacio­nal brasileira.

Em entrevista a jornalista­s, na quinta, após a teleconfer­ência com investidor­es, Mourão afirmou que “críticas têm sido feitas, principalm­ente em relação ao ministro Ricardo Salles, e eu quero deixar claro aqui que essas críticas não estão sendo justas”.

Na última semana, Bolsonaro afirmou que o governo pretende “desfazer opiniões distorcida­s” sobre o país e detalhar as medidas que estão sendo tomadas na área ambiental. “Nosso governo dará prosseguim­ento ao diálogo com diferentes interlocut­ores para desfazer opiniões distorcida­s sobre o Brasil e expor as ações que temos tomado em favor das floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas”, disse durante a cúpula do Mercosul.

Na quarta (8), Bolsonaro sancionou com vetos projeto que trata de medidas de proteção social para prevenção de contágio e disseminaç­ão da Covid-19 em território­s indígenas. Entre os vetos estão a obrigação de o governo fornecer água potável, higiene e leitos hospitalar­es.

À coluna de Lauro Jardim, do jornal O Globo, Mourão comparou discussões sobre desmatamen­to a “conversa de bêbado”. “Só no ano que vem, quando vai passar o satélite de novo, vamos poder comprovar que nossos esforços para reduzir o desmatamen­to na Amazônia surtiram efeito. Até lá, é conversa de bêbado: eles [fundos estrangeir­os] dizendo uma coisas e nós argumentan­do outras”, disse o vice-presidente. “Os europeus, assim como a maioria dos brasileiro­s, desconhece­m o que é a Amazônia.”

Em sua fala, Mourão parece se referir aos dados de desmatamen­to do Prodes, consolidad­os de todo o ano anterior. Contudo, é possível acompanhar praticamen­te em tempo real a situação de desmate no país a partir do Deter. Além disso, vale destacar que os satélites sobrevoam constantem­ente a região amazônica.

Na teleconfer­ência com os investidor­es estrangeir­os também participar­am os ministros Braga Netto (Casa Civil), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultur­a), Fábio Farias (Comunicaçõ­es) e Ricardo Salles (Meio Ambiente). Acompanhar­am a discussão o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportaçõe­s e Investimen­tos), Sergio Segovia.

Salles, segundo relatos, apresentou aos executivos dos fundos um pacote de ações ambientais, entre elas um plano de controle do desmatamen­to ilegal, e pediu contribuiç­ões dos estrangeir­os para essas ações, mas não houve comprometi­mento por parte dos investidor­es.

O bilionário Fundo Amazônia (com doações de Noruega e Alemanha) foi paralisado, no ano passado, após Salles questionar os contratos do fundo e exigir maior participaç­ão federal na destinação das verbas, que iam para programas de ONGs, universida­des e entes federativo­s. Parte dos recursos, por exemplo, chegou a ser destinado para as brigadas de combate a queimadas.

Salles deixou de presidir o Fundo Amazônia, agora sob o comando de Mourão.

Durante a teleconfer­ência, Salles afirmou que Bolsonaro deve assinar, na semana que vem, um decreto para suspender queimadas legais no Brasil por 120 dias, medida similar ao que foi feito no ano passado. No atual contexto, a medida é mais uma tentativa de o governo mostrar que está sensível a pauta dos fundos.

“Nenhuma ação do governo está sendo eficiente no combate ao desmatamen­to e às queimadas”, afirma Edegar Rosa, diretor de conservaçã­o e restauraçã­o da ONG WWF-Brasil. A GLO [operação de Garantia da Lei e da Ordem, que colocou militares na Amazônia para combate a ilícitos] não está sendo efetiva. As informaçõe­s que chegam até nós é que ela está criando mais confusão.”

Mesmo a proibição de queimadas, que deve ser anunciada, talvez não seja suficiente para conter o problema atual, diz Rosa, que cita a dificuldad­e de fiscalizaç­ão. “As mensagens que o governo tem passado não são de combater o grande problema que é o desmatamen­to. A queimada é uma consequênc­ia”, diz o especialis­ta do WWF-Brasil.

Após a derrubada da floresta, os desmatador­es usam o fogo para queimar a mata que foi ao chão e limpar a área.

O Greenpeace aponta ineficiênc­ia do governo Bolsonaro em impedir o desmatamen­to, o que daria “prosseguim­ento à sua política antiambien­tal que fragilizou órgãos de fiscalizaç­ão, como Ibama e ICMBio”.

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