Amazônia tem 14º mês seguido de alta de desmatamento, aponta dado do Inpe
Crescimento constante ocorre em meio a operações do Exército e pressão internacional
são paulo O desmatamento na Amazônia teve mais um mês de alta em relação ao ano anterior, o 14º seguido, e é o maior desde 2016, segundo dados do Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O sistema mede a derrubada de floresta praticamente em tempo real e é usado para auxiliar ações do Ibama de combate a crimes ambientais.
O crescimento ocorre mesmo com a propagandeada ação Verde Brasil 2, que colocou o Exército na floresta para ajudar no combate ao desmatamento, e com a pressão de investidores internacionais por ações do governo para combate ao desmate.
A destruição da floresta cresceu cerca de 10% em relação ao mesmo mês de 2019 e atingiu o maior valor de km² destruídos da série histórica recente, que começou em 2015. Junho registrou mais de 1.000 km² destruídos.
O Deter também pode ser usado para acompanhar a tendência de desmatamento na Amazônia, que tem sido crescente desde antes do início do governo Jair Bolsonaro.
Em relação a anos anteriores, os dados de junho de 2020 são ainda maiores. Em comparação com 2018, o desmatamento no mês passado cresceu quase 112%. Comparado a 2017, o aumento foi de 70%.
Ainda sob o governo Michel Temer, em 2018, houve seis meses seguidos de aumento de desmate em relação ao ano anterior. Em 2019, os alertas de desmatamento do Deter —e também os alertas de queimadas— foram colocados, sem apresentação de explicações, em dúvida pelo presidente e sua equipe ministerial. No fim do ano, quando o Inpe apresenta o dado consolidado de quanto desmate ocorreu na floresta, veio o resultado: mais de 10.000 km² destruídos, recorde da década.
Nove meses sob Bolsonaro tiveram o recorde da série histórica do Deter. Além disso, quatro meses tiveram desmates acima dos 1.000 km² (três deles em 2019 e o mês de junho de 2020).
O conhecimento do desmatamento tem feito aumentar a desconfiança internacional em relação ao comprometimento do Brasil de frear a destruição. Na quinta (9), representantes de fundos de investimento e pensão estrangeiros, em reunião com Hamilton Mourão, vice-presidente e chefe do Conselho Amazônia, afirmaram que vão considerar reduções no desmate para medir o compromisso do país com a agenda ambiental.
Também serão considerados a implementação do Código Florestal, prevenção de incêndios na Amazônia (houve alta em junho, em relação ao mesmo mês de 2019) e dados transparentes de preservação.
Os fundos de investimento em questão administram cerca de US$ 4,1 trilhões (R$ 21,6 trilhões). O Planalto já teme fuga de investimento por causa da deterioração da imagem internacional brasileira.
Em entrevista a jornalistas, na quinta, após a teleconferência com investidores, Mourão afirmou que “críticas têm sido feitas, principalmente em relação ao ministro Ricardo Salles, e eu quero deixar claro aqui que essas críticas não estão sendo justas”.
Na última semana, Bolsonaro afirmou que o governo pretende “desfazer opiniões distorcidas” sobre o país e detalhar as medidas que estão sendo tomadas na área ambiental. “Nosso governo dará prosseguimento ao diálogo com diferentes interlocutores para desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil e expor as ações que temos tomado em favor das floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas”, disse durante a cúpula do Mercosul.
Na quarta (8), Bolsonaro sancionou com vetos projeto que trata de medidas de proteção social para prevenção de contágio e disseminação da Covid-19 em territórios indígenas. Entre os vetos estão a obrigação de o governo fornecer água potável, higiene e leitos hospitalares.
À coluna de Lauro Jardim, do jornal O Globo, Mourão comparou discussões sobre desmatamento a “conversa de bêbado”. “Só no ano que vem, quando vai passar o satélite de novo, vamos poder comprovar que nossos esforços para reduzir o desmatamento na Amazônia surtiram efeito. Até lá, é conversa de bêbado: eles [fundos estrangeiros] dizendo uma coisas e nós argumentando outras”, disse o vice-presidente. “Os europeus, assim como a maioria dos brasileiros, desconhecem o que é a Amazônia.”
Em sua fala, Mourão parece se referir aos dados de desmatamento do Prodes, consolidados de todo o ano anterior. Contudo, é possível acompanhar praticamente em tempo real a situação de desmate no país a partir do Deter. Além disso, vale destacar que os satélites sobrevoam constantemente a região amazônica.
Na teleconferência com os investidores estrangeiros também participaram os ministros Braga Netto (Casa Civil), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultura), Fábio Farias (Comunicações) e Ricardo Salles (Meio Ambiente). Acompanharam a discussão o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), Sergio Segovia.
Salles, segundo relatos, apresentou aos executivos dos fundos um pacote de ações ambientais, entre elas um plano de controle do desmatamento ilegal, e pediu contribuições dos estrangeiros para essas ações, mas não houve comprometimento por parte dos investidores.
O bilionário Fundo Amazônia (com doações de Noruega e Alemanha) foi paralisado, no ano passado, após Salles questionar os contratos do fundo e exigir maior participação federal na destinação das verbas, que iam para programas de ONGs, universidades e entes federativos. Parte dos recursos, por exemplo, chegou a ser destinado para as brigadas de combate a queimadas.
Salles deixou de presidir o Fundo Amazônia, agora sob o comando de Mourão.
Durante a teleconferência, Salles afirmou que Bolsonaro deve assinar, na semana que vem, um decreto para suspender queimadas legais no Brasil por 120 dias, medida similar ao que foi feito no ano passado. No atual contexto, a medida é mais uma tentativa de o governo mostrar que está sensível a pauta dos fundos.
“Nenhuma ação do governo está sendo eficiente no combate ao desmatamento e às queimadas”, afirma Edegar Rosa, diretor de conservação e restauração da ONG WWF-Brasil. A GLO [operação de Garantia da Lei e da Ordem, que colocou militares na Amazônia para combate a ilícitos] não está sendo efetiva. As informações que chegam até nós é que ela está criando mais confusão.”
Mesmo a proibição de queimadas, que deve ser anunciada, talvez não seja suficiente para conter o problema atual, diz Rosa, que cita a dificuldade de fiscalização. “As mensagens que o governo tem passado não são de combater o grande problema que é o desmatamento. A queimada é uma consequência”, diz o especialista do WWF-Brasil.
Após a derrubada da floresta, os desmatadores usam o fogo para queimar a mata que foi ao chão e limpar a área.
O Greenpeace aponta ineficiência do governo Bolsonaro em impedir o desmatamento, o que daria “prosseguimento à sua política antiambiental que fragilizou órgãos de fiscalização, como Ibama e ICMBio”.