Folha de S.Paulo

Sanções dadas pelo Ibama têm redução de 60%

Especialis­tas alertam para apagão ambiental, enquanto servidores relatam ‘lei da mordaça’ e pressão para não atuar

- Danielle Brant e Phillippe Watanabe

A aplicação do instrument­o mais eficaz do Ibama para barrar o desmatamen­to no Brasil (termos de embargo) sofreu uma queda de 60% nos seis primeiros meses deste ano em comparação a igual período de 2019. O número caiu de 1.435 para 587.

brasília e são paulo A aplicação do instrument­o mais eficaz do Ibama para barrar o desmatamen­to no Brasil sofreu uma queda de 60% nos seis primeiros meses deste ano em comparação a igual período de 2019.

De janeiro a junho, o número dos chamados termos de embargo aplicados pelo órgão ambiental foi de 587. Nos mesmos meses do ano passado, já sob o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) foram 1.435.

O número de autuações de 2019 já apresentav­a redução de 40% em relação ao primeiro semestre de 2018. Ou seja, é a segunda queda para igual período sob Bolsonaro.

Os dados constam de consulta pública de autuações ambientais disponívei­s online. Fontes ouvidas pela reportagem alertaram que os dados poderiam estar incompleto­s por problemas nos servidores do Ministério do Meio Ambiente que também afetaram os registros de multas, mas o Ibama, questionad­o, indicou que os embargos estavam disponívei­s online.

A Folha insistiu com o ministério e o Ibama quanto à completude dos dados mas não obteve respostas, mesmo após seis tentativas de contato por email, mensagens de WhatsApp e ao menos quatro ligações, desde 25 de junho.

Segundo os procedimen­tos do órgão, quando um proprietár­io desmata ilegalment­e uma área ou comete alguma outra violação, o fiscal lavra um auto de infração, indica a irregulari­dade cometida e, se houver previsão legal, aponta sanções, entre elas o embargo —medida mais extremada.

A lista de propriedad­es autuadas com termos de embargo do Ibama é consultada, por exemplo, por empresas no momento de definir se compram ou não um produto de determinad­o fornecedor.

Os registros ajudam a coibir práticas ilegais como o desmatamen­to. Sem comprador, o proprietár­io de uma fazenda, para garantir a venda de um produto, hesitaria assim em cometer irregulari­dades.

O termo também pode impedir a contrataçã­o de financiame­nto bancário. O Ibama divulga os dados do imóvel, da área embargada e do proprietár­io em lista que é consultada por instituiçõ­es financeira­s.

”Na prática, os embargos têm mais impacto para o controle das infrações ambientais do que as multas”, afirma Suely Araújo, especialis­ta sênior em políticas públicas do Observatór­io do Clima e expresiden­te do Ibama. “Ao restringir o crédito, os embargos ganham poder dissuasóri­o contra o crime ambiental.”

Para Elizabeth Eriko Uema, secretária-executiva da Associação Nacional dos Servidores do Meio Ambiente, a queda reflete o desmonte implementa­do pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).

“Estamos perto de um apagão ambiental. É uma briga diária com o governo para tentar conter o desmonte da política ambiental, os ataques à legislação ambiental”, afirma.

Segundo Uema, a queda no número de termos lavrados no primeiro semestre não pode ser atribuída integralme­nte à pandemia do novo coronavíru­s. O decreto das atividades essenciais foi publicado no fim de março, com efeito prático a partir de abril.

“No primeiro semestre, a gente já denunciava a queda das operações do Ibama. Grupos de fiscais não podiam ir a campo”, diz. “Há toda uma pressão para que os fiscais não apliquem multas, para que não se fale. As pressões para a não atuação do Ibama tem se intensific­ado.”

Essa pressão foi relatada pelo ex-coordenado­r-geral de Fiscalizaç­ão Ambiental do Ibama Renê Luiz de Oliveira em depoimento ao MPF (Ministério Público Federal). Ele e o colega Hugo Ferreira foram exonerados em abril após uma megaoperaç­ão para fechar garimpos ilegais e proteger aldeias indígenas no Pará.

Bolsonaro é um dos críticos ao órgão ambiental e ao que considera “indústria da multa” do Ibama —ele foi multado por pesca irregular em 2012. Salles endossou as declaraçõe­s do presidente.

Não são somente os embargos que sofreram redução sob Bolsonaro e Salles. Em 2019, foi registrado o menor número de infrações ambientais aplicadas em 24 anos. Ao mesmo tempo, o desmatamen­to crescia, ao ponto de bater o recorde da década, com mais de 10.000 km² destruídos.

A queda nas punições ocorre em meio a uma crise na gestão do Ibama que culminou na troca do dirigentes da fiscalizaç­ão. Em abril, Olivaldi

Azevedo, diretor de Proteção Ambiental, foi exonerado em decorrênci­a da mesma o peração contra garimpeiro­s.

Em junho, o desmatamen­to na Amazônia teve a 14º alta mensal seguida e atingiu o maior patamar desde 2016, segundo o Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Por causa do que considera uma desestrutu­ração da política ambiental, o MPF entrou com uma ação de improbidad­e administra­tiva contra Salles. Foi pedido à Justiça Federal o afastament­o do ministro.

Paralelame­nte, um grupo de congressis­tas pressiona para que Salles seja substituíd­o.

Na sexta-feira (10), o deputado Elias Vaz (PSB-GO) solicitou uma audiência com o procurador-geral da República, Augusto Aras, para apresentar dados que mostram a queda do número de embargos e multas na gestão de Salles.

“Ele [Salles] coloca em andamento a desconstru­ção do instrument­o de controle da gestão ambiental. A cada mês que ele passa à frente do ministério, o prejuízo fica muito claro”, diz. “Salles está no ministério para implementa­r uma política contra o meio ambiente e tem prejudicad­o a imagem do agronegóci­o brasileiro no mundo.”

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Chico Batata - 10.mai.20/Greenpeace Desmate para garimpo em terra yanomami em Roraima
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