Sanções dadas pelo Ibama têm redução de 60%
Especialistas alertam para apagão ambiental, enquanto servidores relatam ‘lei da mordaça’ e pressão para não atuar
A aplicação do instrumento mais eficaz do Ibama para barrar o desmatamento no Brasil (termos de embargo) sofreu uma queda de 60% nos seis primeiros meses deste ano em comparação a igual período de 2019. O número caiu de 1.435 para 587.
brasília e são paulo A aplicação do instrumento mais eficaz do Ibama para barrar o desmatamento no Brasil sofreu uma queda de 60% nos seis primeiros meses deste ano em comparação a igual período de 2019.
De janeiro a junho, o número dos chamados termos de embargo aplicados pelo órgão ambiental foi de 587. Nos mesmos meses do ano passado, já sob o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) foram 1.435.
O número de autuações de 2019 já apresentava redução de 40% em relação ao primeiro semestre de 2018. Ou seja, é a segunda queda para igual período sob Bolsonaro.
Os dados constam de consulta pública de autuações ambientais disponíveis online. Fontes ouvidas pela reportagem alertaram que os dados poderiam estar incompletos por problemas nos servidores do Ministério do Meio Ambiente que também afetaram os registros de multas, mas o Ibama, questionado, indicou que os embargos estavam disponíveis online.
A Folha insistiu com o ministério e o Ibama quanto à completude dos dados mas não obteve respostas, mesmo após seis tentativas de contato por email, mensagens de WhatsApp e ao menos quatro ligações, desde 25 de junho.
Segundo os procedimentos do órgão, quando um proprietário desmata ilegalmente uma área ou comete alguma outra violação, o fiscal lavra um auto de infração, indica a irregularidade cometida e, se houver previsão legal, aponta sanções, entre elas o embargo —medida mais extremada.
A lista de propriedades autuadas com termos de embargo do Ibama é consultada, por exemplo, por empresas no momento de definir se compram ou não um produto de determinado fornecedor.
Os registros ajudam a coibir práticas ilegais como o desmatamento. Sem comprador, o proprietário de uma fazenda, para garantir a venda de um produto, hesitaria assim em cometer irregularidades.
O termo também pode impedir a contratação de financiamento bancário. O Ibama divulga os dados do imóvel, da área embargada e do proprietário em lista que é consultada por instituições financeiras.
”Na prática, os embargos têm mais impacto para o controle das infrações ambientais do que as multas”, afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e expresidente do Ibama. “Ao restringir o crédito, os embargos ganham poder dissuasório contra o crime ambiental.”
Para Elizabeth Eriko Uema, secretária-executiva da Associação Nacional dos Servidores do Meio Ambiente, a queda reflete o desmonte implementado pelo ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).
“Estamos perto de um apagão ambiental. É uma briga diária com o governo para tentar conter o desmonte da política ambiental, os ataques à legislação ambiental”, afirma.
Segundo Uema, a queda no número de termos lavrados no primeiro semestre não pode ser atribuída integralmente à pandemia do novo coronavírus. O decreto das atividades essenciais foi publicado no fim de março, com efeito prático a partir de abril.
“No primeiro semestre, a gente já denunciava a queda das operações do Ibama. Grupos de fiscais não podiam ir a campo”, diz. “Há toda uma pressão para que os fiscais não apliquem multas, para que não se fale. As pressões para a não atuação do Ibama tem se intensificado.”
Essa pressão foi relatada pelo ex-coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do Ibama Renê Luiz de Oliveira em depoimento ao MPF (Ministério Público Federal). Ele e o colega Hugo Ferreira foram exonerados em abril após uma megaoperação para fechar garimpos ilegais e proteger aldeias indígenas no Pará.
Bolsonaro é um dos críticos ao órgão ambiental e ao que considera “indústria da multa” do Ibama —ele foi multado por pesca irregular em 2012. Salles endossou as declarações do presidente.
Não são somente os embargos que sofreram redução sob Bolsonaro e Salles. Em 2019, foi registrado o menor número de infrações ambientais aplicadas em 24 anos. Ao mesmo tempo, o desmatamento crescia, ao ponto de bater o recorde da década, com mais de 10.000 km² destruídos.
A queda nas punições ocorre em meio a uma crise na gestão do Ibama que culminou na troca do dirigentes da fiscalização. Em abril, Olivaldi
Azevedo, diretor de Proteção Ambiental, foi exonerado em decorrência da mesma o peração contra garimpeiros.
Em junho, o desmatamento na Amazônia teve a 14º alta mensal seguida e atingiu o maior patamar desde 2016, segundo o Deter, programa do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Por causa do que considera uma desestruturação da política ambiental, o MPF entrou com uma ação de improbidade administrativa contra Salles. Foi pedido à Justiça Federal o afastamento do ministro.
Paralelamente, um grupo de congressistas pressiona para que Salles seja substituído.
Na sexta-feira (10), o deputado Elias Vaz (PSB-GO) solicitou uma audiência com o procurador-geral da República, Augusto Aras, para apresentar dados que mostram a queda do número de embargos e multas na gestão de Salles.
“Ele [Salles] coloca em andamento a desconstrução do instrumento de controle da gestão ambiental. A cada mês que ele passa à frente do ministério, o prejuízo fica muito claro”, diz. “Salles está no ministério para implementar uma política contra o meio ambiente e tem prejudicado a imagem do agronegócio brasileiro no mundo.”