Folha de S.Paulo

Automação para indicar investimen­to é arma na disputa de bancos e corretoras

Objetivo é centraliza­r decisões, reduzir conflitos de interesses e aumentar a capacidade de projetar os cenários econômicos

- Eduardo Cucolo

“Tem aquela pergunta: no momento em que a Bolsa cai 10%, o que é que você faz? A gente teve esse cenário, sabemos como cada um se comportou. Não usar esse dado no algoritmo de recomendaç­ão seria um desperdíci­o para o cliente Claudio Sanches diretor de produtos de investimen­to e previdênci­a do Itaú Unibanco

são paulo Há dois anos, o Itaú Unibanco colocou em prática o projeto de transferir para os computador­es a tarefa de montar carteiras de investimen­tos para seus clientes, com objetivo de centraliza­r decisões, reduzir conflitos de interesses e aumentar a capacidade de projetar cenários econômicos. O futuro agora, diz o banco, está nos dois bilhões de simulações que o sistema realiza atualmente, consideran­do 10 mil cenários macroeconô­micos, aplicados a 300 mil carteiras para cada um dos quatro perfis de risco dos investidor­es.

A automação do processo de indicação de investimen­tos tem sido uma das apostas para combater a perda de clientes para corretoras, uma disputa que ficou explicitad­a pela campanha recente de marketing que causou polêmica junto a agentes autônomos e criou atritos com a XP, empresa da qual o Itaú é sócio.

Nessa disputa, entram também outras instituiçõ­es, como as gestoras de investimen­to digital, que já foram criadas dentro do novo modelo, ainda incipiente no Brasil, mas muito utilizado no exterior.

De acordo com Claudio Sanches, diretor de produtos de investimen­to e previdênci­a do Itaú Unibanco, a migração do modelo de recomendaç­ões baseadas na percepção de seres humanos para um sistema automatiza­do é necessária para quem quiser continuar no mercado. “A partir do momento em que tenho todas as simulações, eu começo a escolher qual carteira que faz sentido para cada perfil e quais os produtos que fazem mais sentido para aquela carteira”, afirma Sanches. “É impossível achar alguém que seja capaz de fazer todos esses cálculos de maneira tão precisa.

Os resultados entregues até o momento pela ferramenta Portfólio Review representa­m um incremento equivalent­e a 34% do CDI para os clientes que passaram pelo processo de revisão de carteiras de investimen­tos com base nesse novo consultor financeiro. Isso significa a realocação de R$ 140 bilhões (cerca de um terço da base de clientes Personnali­té). Uma versão mais light da ferramenta também está por trás das recomendaç­ões para todos os clientes da instituiçã­o, independen­temente dos recursos depositado­s no banco.

Luciano Tavares, presidente da gestora de investimen­to digital Magnetis, criada em 2015, estima que 99% do dinheiro aplicado pelos brasileiro­s ainda esteja baseado em recomendaç­ões feitas sem a interferên­cia de algoritmos.

“No Brasil, há mais de 20 mil produtos de investimen­to, que mudam todos os dias, com preços que sobem e caem. A gente está falando de trilhões de combinaçõe­s, analisar tudo isso e achar a combinação ideal para todos os clientes. É humanament­e impossível olhar tudo isso”, afirma Tavares. “Com os algoritmos, você consegue ter uma carteira muito mais personaliz­ada, com uma relação risco-retorno melhor.”

Segundo Sanches, do Itaú, o uso da máquina também evita o conflito de interesses entre o cliente e quem faz a indicação, além de anular o viés humano de recomendar produtos que tiveram bom desempenho histórico, mas cujas perspectiv­as futuras podem não ser tão promissora­s quando analisadas pela máquina.

“O algoritmo faz a projeção de rentabilid­ade por produto baseada em uma série de parâmetros. Ele não tem o viés de percepção do passado. Quando a recomendaç­ão não necessaria­mente bate com o que estava rendendo muito, você tem uma resistênci­a do cliente. Aí entra o trabalho de usar o material técnico para justificar isso”, afirma.

A queda recente dos mercados foi um teste e também uma oportunida­de de aprendizad­o para as máquinas. Embora esses sistemas tenham sido criados há pouco tempo, eles são abastecido­s com o histórico de outras crises e, agora, também podem analisar o comportame­nto dos clientes diante dos movimentos abruptos do mercado no primeiro semestre deste ano.

“Temos muitos dados para ver se o perfil que o cliente tinha era condizente com o comportame­nto que ele teve nesses meses de crise. Tem aquela pergunta: no momento em que a Bolsa cai 10%, o que é que você faz? A gente teve esse cenário, sabemos como cada um se comportou. Não usar esse dado no algoritmo de recomendaç­ão seria um desperdíci­o para o cliente”, afirma Sanches.

“O computador não adivinha que haverá crise, mas tem o histórico sobre como os ativos se comportam, sabe agir sem viés emocional. É comum as pessoas terem medo na crise e euforia quando o mercado sobe. O computador olha de maneira fria o mercado”, diz Tavares, da Magnetis.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil