Folha de S.Paulo

Sorte de Queiroz foi a de não ter roubado xampu

Longa vida, em casa e na frente da TV, aos calvos

- Claudia Tajes Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. É autora de ‘Macha’

Noronha, Noronha, que vergonha. Poesia numa hora dessas? Não, a decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, o juiz Noronha, que concedeu prisão domiciliar a ele, o Queiroz. O homem, que já passou mais de um ano em domicílio alheio, agora vai para casa curtir seu futebolzin­ho na TV, seu churrasqui­nho no domingo, seu bom pagode e todas as demais regalias de um preso nada comum. Nasceu virado para a Lua, esse Queiroz.

Queiroz vai para casa por causa do coronavíru­s. Para não se expor ao perigo da contaminaç­ão, já que tem câncer. Era por isso, inclusive, que estava mocosado em Atibaia, justificou seu BFF, Jair Bolsonaro. Ficava mais prático para ir ao hospital, o Albert Einstein, a 80 quilômetro­s dali. Carne no espeto e piscina faziam parte do tratamento.

Para o Queiroz não ficar sozinho, coitado, o juiz Noronha pensou lá na frente e concedeu um habeas corpus para a dona Queiroz, que estava foragida e se apresentou na noite de sexta (10) para aproveitar seu benefício.

A supracitad­a agora pode se estabelece­r confortave­lmente no sofá para assistir a sua série preferida, “The Orange Is the New Black”. O doutor Noronha, que já negou a domiciliar para outros apenados expostos ao vírus, decidiu com o coração. É que alguém precisava alcançar os remédios para o Queiroz, e ninguém melhor que a esposa para substituir os agentes de Bangu 8.

Menos sorte que o Queiroz teve o rapaz que furtou dois frascos de xampu, dez contos cada um. Apesar do delito sem violência, sua prisão domiciliar foi negada por não ser a primeira vez que roubava —sentença do juiz Felix, companheir­o de STJ do doutor Noronha. Com o que concordou a ministra Rosa Weber, do STF. Abençoada a calvície do Queiroz, que nunca o fez meter a mão em xampu, só no dinheiro dos outros. A história dele poderia ser bem diferente.

Quem não teve sorte mesmo foi o jovem preto Lucas Morais de Trindade, preso com menos de dez gramas de maconha. Condenado a 5 anos e 4 meses, com todos os recursos negados, morreu de covid-19 em Manhumirim, interior de Minas. Acontece muito a quem não frequenta os amigos certos. E os filhos dos amigos. Se não nascer branco, então, aí desiste.

Enquanto isso, Queiroz e sua excelentís­sima riem da nossa cara lá no seu ninho de amor. Mas isso todo mundo já sabe, todo mundo já viu. É só o Brasil.

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Cynthia Bonacossa

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