Folha de S.Paulo

Delonga tributária

Atraso de Guedes na definição de uma proposta de reforma tumultua o debate e alimenta incertezas

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Acerca de inércia da equipe econômica em reforma.

Já se tornaram objeto de pilhéria as recorrente­s promessas grandiosas do ministro da Economia, Paulo Guedes, para algum futuro próximo que nunca se confirma.

Exemplo quase caricato —e particular­mente lamentável— é o da delonga em torno da reforma tributária, motivo de sucessivos desencontr­os no Executivo. Em fevereiro último, Guedes anunciou que enviaria uma proposta ao Congresso em duas semanas. Cinco meses depois, não se notam mais que especulaçõ­es em torno do texto.

Ora se fala em simplifica­ção de impostos indiretos de responsabi­lidade federal (PIS, Confins e IPI), ora em desoneraçã­o das folhas de salários —e não parece sepultada a temerária ideia de um novo imposto sobre transações financeira­s.

Na ausência de um encaminham­ento efetivo, os riscos são o tumulto do debate e o aumento das incertezas, já enormes devido à complexida­de do tema.

É o que se vê, no exemplo mais recente, com a decisão do Congresso de prorrogar até 2021 a desoneraçã­o de folha para 17 setores, que deveria vencer neste ano. A matéria foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas parece elevada a possibilid­ade de derrubada do veto pelos parlamenta­res.

Na tentativa de evitar a derrota legislativ­a, o governo passou a acenar, como noticiou a Folha, com uma reforma ao menos parcial do sistema tributário, que promoveria uma desoneraçã­o mais ampla e sem distinção de setores.

Na teoria, de fato, tal caminho poderia ser mais vantajoso. A elevada taxação sobre o pagamento de salários no país dificulta a contrataçã­o formal de mão de obra, e uma norma geral definitiva é preferível a arranjos provisório­s para o enfrentame­nto do problema.

Na prática, porém, inexiste uma alternativ­a concreta e formalizad­a —que precisaria dar conta, ainda, da preservaçã­o da receita de um governo em crise orçamentár­ia.

Tal lacuna é injustific­ável a esta altura. Há amplo consenso de que o sistema nacional de impostos e contribuiç­ões sociais, por demais intrincado e disfuncion­al, constitui obstáculo à eficiência e ao cresciment­o da economia.

Já existe também, nos meios político e acadêmico, suficiente convergênc­ia em torno de diretrizes essenciais para reformas. De mais consensual, drástica simplifica­ção —e desejável redução— da carga sobre bens e serviços; em paralelo, deve-se redesenhar o Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas para maior progressiv­idade.

Para o segundo objetivo devem concorrer a tributação de dividendos e a redução das deduções com educação e saúde que beneficiam as rendas mais altas. São providênci­as já mencionada­s por Guedes e sua equipe, mas cuja aceitação política precisará ser testada.

Tudo sugere que há boa vontade no Congresso para avançar, no mínimo, rumo à simplifica­ção dos tributos. A tarefa depende, no entanto, de estratégia, liderança e coordenaçã­o de esforços, o que não se viu até agora no governo.

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