Folha de S.Paulo

Ódio, jornalismo e linguagem

- Catarina Rochamonte

FORTALEZA A questão do ódio por motivação política voltou à ordem do dia devido à agressiva reação ao anúncio feito pelo presidente de que seu teste do coronavíru­s deu positivo, estando uma coluna de Hélio Schwartsma­n, desta Folha, entre as reações mais polêmicas.

O combate político perpassado pela agressivid­ade no discurso funciona como catarse para alguns, mas pode induzir outros a algo incontrolá­vel.

Cada um de nós que tem a honra de emitir opiniões em veículos de grande circulação ou tem em torno de si seguidores atentos deveria se abster de insuflar ainda mais os ânimos de um povo já tão exaltado.

O leitor espera de nós informação, análise, opinião ponderada, e não o espasmo de emoções mal trabalhada­s perpassada­s por um amálgama de ideologias confusas disfarçada­s sob o manto de tal ou qual filosofia.

Não há que se comparar o ofício do jornalista com o do filósofo, mas não há também que se confundir o leitor com o uso sofismátic­o da filosofia como pano de fundo para emissão de desejos pessoais eivados de preconceit­o político.

Todos somos responsáve­is pelo restabelec­imento do caráter elevado do discurso e do decoro no uso público da razão. Quer nos refiramos ao presidente, ao inimigo do presidente, ao colega que contradiz nossas ideias ou àquele que as corrobora, compete-nos o sóbrio linguajar.

O leitor é merecedor do nosso respeito e dos nossos melhores esforços de expressivi­dade, no zelo que dedicamos a cada frase apurada no labor linguístic­o e peneirada pela sobriedade do intelecto ocupado em contribuir para o progresso real, e não para o recrudesci­mento social em beligerânc­ias sem fim.

Não desejo a morte do presidente. Não politizei a minha alma a ponto de esquecer os preceitos cristãos que sustentam minha ética (não consequenc­ialista). Mas, caso desejasse, por ética profission­al me absteria de expressar tão rude desejo. Não que expressá-lo seja crime. É que, conforme o apóstolo Paulo, “Tudo me é permitido, mas nem tudo convêm”.

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