Folha de S.Paulo

Abuso judicial

Ao propor cassações por abuso de poder religioso, ministro Fachin põe em jogo liberdade de credo

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Ao propor a categoria de abuso do poder de autoridade religiosa, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, avança de modo perigoso sobre a legislação que rege as eleições no país.

“A imposição de limites às atividades eclesiásti­cas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimida­de do processo eleitoral”, escreveu o magistrado, que também faz parte do Tribunal Superior Eleitoral. O caso, relativo à cassação de uma vereadora, está suspenso por pedido de vista.

Conforme o entendimen­to de Fachin, o novo conceito poderia embasar a cassação de mandatos já a partir das eleições deste ano. O debate envolve, ao mesmo tempo, ameaças à liberdade de crença e limites ao ativismo do Judiciário.

Cumpre separar, aqui, o que a lei já proíbe e o que seria inovação judicial. No primeiro caso está o “desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicaçã­o social, em benefício de candidato ou de partido político”, conforme a lei complement­ar 64, de 1990.

Quanto aos templos religiosos, também há limites previstos em outros textos. É vedado a partidos e candidatos receber direta ou indiretame­nte doação em dinheiro ou equivalent­e, inclusive por meio de publicidad­e, de entidades religiosas. Tampouco se pode veicular propaganda eleitoral em templos.

O princípio da laicidade, previsto na Constituiç­ão federal, limita também a atuação de políticos religiosos, uma vez eleitos.

Navega-se em águas turvas, porém, quando dispositiv­os menos específico­s são utilizados para coibir a liberdade religiosa. É o caso da proibição no Código Eleitoral de propaganda­s destinadas a “criar, artificial­mente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais”.

Não é difícil imaginar que possa haver relações pouco republican­as entre política e igrejas. Entretanto criar uma nova categoria específica de abuso eleitoral do poder religioso, capaz de tornar ilegais práticas não explicitam­ente proibidas em lei, é um passo que extrapola o poder judicial.

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