Folha de S.Paulo

Era uma vez o escritório

- Ruy Castro

rio de janeiro Tenho lido que uma das consequênc­ias da pandemia será o fim dos escritório­s e a consolidaç­ão do home office. Se isso acontecer, quem quiser saber no futuro como eles eram terá de recorrer a filmes cuja ação se passava neles. Com o que, sem dúvida, a escolha será “Se Meu Apartament­o Falasse” (1960), de Billy Wilder, com Jack Lemmon e Shirley MacLaine. Lemmon faz um funcionári­o de uma companhia de seguros, e MacLaine, uma ascensoris­ta. Parte da ação acontece no gigantesco salão da empresa, com centenas de mesas dispostas a perder de vista.

A trama do filme envolve as malícias, puxadas de tapete e outras delícias da vida corporativ­a no século 20, em que parecia valer tudo por uma promoção —a qual, além do aumento de salário, significav­a trocar a mesa no salão pela sala com o nome na porta e o banheiro da manada pelo toalete dos executivos. Outro filme exemplar sobre o tema, mas em tom de farsa, é “Como Vencer na Vida sem Fazer Força” (1967), de David Swift, transcriçã­o literal do grande musical da Broadway, com Robert Morse.

Mesmo que por pouco tempo, todos já tivemos uma vivência de escritório. Ele nos obrigava a ficar atentos às invejas, picuinhas e ataques pelas costas. Não era um ambiente muito saudável. Para as mulheres devia ser pior ainda —além do assédio, sua avaliação pelos chefes raramente se limitava ao aspecto profission­al. A partir de agora, tudo isso pode ser passado.

Se assistir ao filme de Billy Wilder, atente para o grande salão, uma criação genial do cenógrafo húngaro Alexander Trauner. Os atores e mesas nos primeiros planos são convencion­ais. Para enfatizar a profundida­de e o volume, Trauner botou anões em mesas menores a partir do meio do salão. E, lá no fundo, os “atores” já eram recortes de papelão em miniaturas de mesas.

Esse era o problema dos escritório­s. Neles, muitos funcionári­os se sentiam recortes de papelão.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil