Folha de S.Paulo

Para um novo Fundeb, o tempo não é agora

O mais sensato a fazer é prorrogar a lei atual por mais quatro anos

- Adriano Naves de Brito Secretário de Educação de Porto Alegre

A proposta de um novo Fundeb, a princípio pronta para ir à votação no Congresso, não deveria ser votada neste ano. O tempo para uma mudança mais profunda na lei do fundo, que garantiu mais equidade entre os gastos dos municípios com educação, não é agora. Dou algumas boas razões para isso.

A primeira, e mais óbvia, é a pandemia. Ainda que seja possível aprovar a PEC em um cenário tão confuso, a necessária votação de sua lei de regulação, somente com a qual a efetiva distribuiç­ão de recursos poderá ser feita já para o ano que vem, é inviável. O sistema precisa agora de recursos emergencia­is, e não da discussão de novas lei de financiame­nto.

A segunda é o impacto que as reformas tributária e administra­tiva —ainda mais fundamenta­is, mas também imprevisív­eis—, no póspandemi­a, terão nos recursos humanos e financeiro­s da educação. Elas precisam estar em vigência para que se possa dimensiona­r as suas consequênc­ias para a área e seu financiame­nto de longo prazo.

A terceira é de cunho conceitual. Deve uma legislação sobre distribuiç­ão de recursos para entes públicos estatais que são parte de um sistema muito mais plural de oferta de educação ser constituci­onalizada? Minha resposta é não, sob pena de definirmos o todo pela parte. A proposta em debate tem como pressupost­o tácito, nunca discutido, que a educação pública básica no país é estatal e constituci­onaliza o conceito mediante regras de distribuiç­ão de recursos que são típicas das redes públicas, como, por exemplo, determinar que 70% dos recursos deverão ser usados para “profission­ais da educação básica em efetivo exercício”.

A regra nada tem a ver com a remuneraçã­o de professore­s de escolas comunitári­as. Em Porto Alegre, temos mais de duzentas dessas instituiçõ­es na educação infantil e três que ofertam essa etapa e também o ensino fundamenta­l —e o pagamento delas passa por outros instrument­os legais, como a lei 13.019/14.

O vício de origem da proposta em discussão é que a atual lei veda o uso de recursos do fundo para alunos regulares do ensino fundamenta­l e médio que não sejam de escolas públicas estatais. A Constituiç­ão, em seu artigo 213, não traz essa limitação. Verbas públicas para educação podem ser usadas por instituiçõ­es sem fins lucrativos. A proposta em debate não muda o artigo 213, mas as mudanças no artigo 212, porque, baseadas na lei atual, induzem a que o sistema educaciona­l brasileiro seja ainda mais orientado para o modelo estatal. Essa discussão não foi feita nesses termos, e não parece sensato que uma sociedade defina constituci­onalmente um modelo educaciona­l excludente. Menos ainda de modo inadvertid­o.

Por tudo isso, o mais sensato é prorrogar a lei atual por mais quatro anos, mas, em consonânci­a com a Constituiç­ão, sem as limitações de uso de seus recursos para custear alunos da educação básica pública não-estatal. Experiênci­as nessa modalidade têm de informar as discussões futuras.

Ainda que seja possível aprovar a PEC em um cenário tão confuso, a necessária votação de sua lei de regulação, somente com a qual a efetiva distribuiç­ão de recursos poderá ser feita já para o ano que vem, é inviável. O sistema precisa agora de recursos emergencia­is, e não da discussão de novas lei de financiame­nto

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