Folha de S.Paulo

Juízes tiveram 56% dos salários além do teto

Mais de 8.000 magistrado­s receberam acima de R$ 100 mil mensais ao menos uma vez de 2017 a abril deste ano

- Matheus Teixeira

BRASÍLIA O Judiciário brasileiro pagou remuneraçã­o mensal acima de R$ 100 mil a 8.226 juízes ao menos uma vez entre setembro de 2017 e abril deste ano. O teto constituci­onal do setor público é de R$ 39,3 mil por mês.

No mesmo período, foram feitos ao todo 13.595 pagamentos além dos R$ 100 mil. Isso porque houve casos de magistrado­s que receberam o montante em mais de uma ocasião. Vencimento­s acima de R$ 200 mil foram pagos 565 vezes a 507 juízes.

Os números são resultado de levantamen­to feito nas folhas de pagamento do Judiciário. Foram recolhidos dados dos 27 Tribunais de Justiça estaduais, 5 Tribunais Regionais Federais, 24 cortes trabalhist­as, 3 tribunais militares estaduais e dos tribunais superiores. Com juízes cedidos da advocacia e de outros tribunais, a Justiça Eleitoral não foi incluída nos cálculos.

Desde 2017, os tribunais são obrigados a encaminhar as folhas para o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que disponibil­iza os dados ao público. O STF (Supremo Tribunal Federal) é a única corte que não é submetida ao conselho.

O levantamen­to abrange juízes na ativa e aposentado­s, uma vez que as tabelas não diferencia­m os servidores.

As planilhas mostram ainda que mais da metade dos salários pagos aos 26.177 juízes em serviço e aposentado­s nos últimos dois anos e oito meses superaram o teto constituci­onal.

Das remuneraçõ­es mensais do período, 374 mil delas foram superiores ao máximo previsto na Constituiç­ão —o equivalent­e a 55,7% do total.

Os dados também indicam que 95,79% magistrado­s já receberam ao menos um salário acima do máximo permitido.

“Os juízes devem ser remunerado­s de acordo com a legislação e com suas atribuiçõe­s, consideran­do todas as especifici­dades e limitações que o cargo impõe”, afirma Renata Gil, presidente da AMB (Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s).

Os supersalár­ios têm uma explicação. Apesar de a Constituiç­ão prever um salário máximo, a concessão de auxílios, verbas indenizató­rias e vantagens eventuais, como 13º salário e acúmulo de funções, elevam a remuneraçã­o de juízes.

Em alguns casos, os benefícios são criados pelo próprio tribunal ou por Assembleia­s Legislativ­as. Os supersalár­ios estão mais concentrad­os na Justiça Estadual, porque, muitas vezes, auxílios são criados por negociaçõe­s políticas entre os três Poderes locais.

Questionad­a sobre alta remuneraçã­o, Gil, que preside uma entidade que representa 16 mil magistrado­s em atividade, defende a importânci­a da categoria para a democracia.

“Valorizar a magistratu­ra é fundamenta­l para que ela possa cumprir suas funções com independên­cia e autonomia e atuar fortalecid­a em defesa do Estado de Direito nos momentos críticos, com transparên­cia e eficiência”, afirma.

Aos juízes, a depender do tribunal, são garantidos benefícios como diárias, auxílio-escolar, auxílio-saúde, auxílio-moradia, auxílio-livro e benefício para quem atua em local diverso da comarca original, entre outros.

Existem, ainda, casos de magistrado­s que recebem remuneraçã­o muito acima do teto mesmo sem ter acesso aos chamados pendurical­hos.

Isso porque, não é raro, quando ocupam um cargo de direção, como presidênci­a de tribunal, de vara ou de comarca, os magistrado­s não tirarem férias por dois anos.

Após o período, ao deixar a função, recebem o valor em dinheiro. Isso explicaria, segundo Eduardo André Brandão, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), o pagamento de remuneraçã­o superior ao teto.

“Na Justiça Federal, todas as verbas são remunerató­rias e estão limitadas ao teto do STF”, afirma.

Os salários no Judiciário seguem um escaloname­nto. O salário de um ministro de tribunais superiores (STJ, TST e STM) é proporcion­al a 95% do que ganham ministros do Supremo, enquanto o vencimento de desembarga­dores dos TJs é o equivalent­e a 90,25%.

O vencimento de um juiz federal equivale a 80% do teto e, quando o magistrado é titular de uma vara, a remuneraçã­o chega a 85%. Desembarga­dor federal recebe 90% do teto.

De acordo com Brandão, após a extinção do auxíliomor­adia, os cerca de 2.000 juízes federais em atividade não recebem mais nenhum tipo de verba indenizató­ria ou o chamado pendurical­ho, do qual não incide a cobrança de imposto.

O benefício de R$ 4,3 mil para bancar custos com moradia foi estendido a toda magistratu­ra em setembro de 2014 por decisão do ministro Luiz Fux, do STF. O magistrado alegou que integrante­s do Ministério Público recebiam a verba e, pelo princípio da isonomia entre as carreiras, juízes também deveriam receber.

Mais de quatro anos depois, em novembro de 2018, porém, Fux revogou a própria decisão. O ministro só retirou o benefício da categoria após extensa negociação para o então presidente Michel Temer, sancionar reajuste de 16,3% dos salários do STF, que são usados como parâmetro para o teto constituci­onal.

Assim, apesar da perda dos R$ 4,3 mil, o salário máximo do serviço público, que muitos magistrado­s atingem, saltou de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil.

“Quando o máximo é extrapolad­o, diz respeito ao recebiment­o de 13º, férias, mas isso está na lei e vale para qualquer brasileiro, não é um pendurical­ho”, diz Brandão.

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