Folha de S.Paulo

A importânci­a da ciência básica

São as perguntas fundamenta­is que acionam o motor da ciência

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Esta coluna foi produzida especialme­nte para a campanha #CientistaT­rabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo do mês de julho, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionad­os ao processo científico, em textos escritos por convidados ou por eles próprios. Cedo o espaço a Rafael Chaves, líder do grupo de pesquisa em informação quântica do Instituto Internacio­nal de Física (IIP-UFRN) em Natal.

Michael Faraday não titubeou quando o ministro das Finanças lhe perguntou sobre a aplicação de sua pesquisa sobre eletricida­de. “Um dia o senhor poderá cobrar por ela.”

Até então, em pleno século 19, para o grande público, a eletricida­de não passava de uma curiosidad­e capaz de deixar em pé o cabelo das moças ou assustar os incautos com um show de fagulhas. A resposta do físico e químico inglês não poderia ser mais profética.

É claro que o objetivo dele não era locupletar os cofres ingleses. O que o movia e a seus pares era a vontade de desvelar os mistérios da natureza. Ao longo desse processo, descobrira­m uma regra universal para descrever os fenômenos elétricos e magnéticos. Tudo porque alguém viu uma faísca e se perguntou: como assim? São as perguntas fundamenta­is que acionam o motor da ciência.

A história da “enigmática” mecânica quântica revela a importânci­a da ciência básica. A teoria quântica foi a solução encontrada quando, na virada do século passado, os cientistas se confrontar­am com o comportame­nto aparenteme­nte paradoxal do mundo do muito pequeno.

Átomos e seus constituin­tes como prótons e elétrons não se comportam como somos levados a crer por nossas experiênci­as corriqueir­as. Se usamos a intuição e as leis que regem o mundo visível, acabamos por acreditar que um elétron pode estar em dois lugares ao mesmo tempo, entre outras bizarrices.

Mais uma vez, a pergunta foi simples: por quê? E da resposta nasceram aplicações que geram até 30% do produto interno de países desenvolvi­dos. Sem a quântica, não haveria computador­es, lasers, energia nuclear ou células solares. E isso é foi só o começo.

Em meados da década de 1980, cientistas começaram a se perguntar o que aconteceri­a se o próprio processame­nto da informação se tornasse quântico. Dessas divagações nasceu o campo da computação e informação quântica, sua segunda revolução.

Há 20 anos, quando ouvi falar disso, um computador quântico parecia ficção. Mas o ano passado, bem antes do esperado, o Google mostrou ao mundo um suposto computador quântico que seria capaz de cálculos que o maior supercompu­tador demoraria anos para realizar (vale dizer que a IBM contestou o sucesso do Google).

As promessas dessa nova área são inúmeras, desde modelagem molecular e descoberta­s de materiais e drogas até formas mais eficientes e seguras de se comunicar.

Na criptograf­ia quântica, por exemplo, a menos que um hacker possa quebrar as leis da física, das duas uma: ele não conseguirá obter nenhuma informação ou, caso consiga, será imediatame­nte detectado.

Descoberta em meados da década de 1980, a criptograf­ia quântica já é usada para garantir a segurança das eleições suíças desde 2007 e por bancos ao redor do mundo.

O caminho dos computador­es quânticos, da criptograf­ia quântica e de muitas outras descoberta­s ainda é longo e precisa do suporte da sociedade para seguir adiante. Sobretudo num momento como o que vivemos, em que o negacionis­mo científico, notícias falsas e desmonte da ciência brasileira parecem ser um projeto de governo.

Se pensarmos que há pouco mais de um século a varíola matava multidões e só tínhamos velas a nos iluminar, acredito não haver dúvidas do que devemos apoiar.

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