Folha de S.Paulo

Brasil tropeça para cumprir metas de testes de coronavíru­s

Ministério agora aposta em atenção básica para ampliar testes de casos leves

- Natália Cancian

brasília “Teste, teste, teste.” Replicada no início da epidemia, a frase do diretor-geral da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde), Tedros Adhanom, se viu atropelada pelo desenrolar da Covid-19 no Brasil.

A ampliação da testagem ficou na promessa —ou nas promessas, pois não foram poucas. A principal foi a previsão de ofertar 46 milhões de testes até setembro, entre moleculare­s (que buscam material genético do vírus em amostras das vias respiratór­ias) e rápidos (que buscam anticorpos em amostras de sangue).

Até agora, porém, só 12,3 milhões desse testes foram distribuíd­os aos estados, abaixo do previsto em cronograma inicial do programa Diagnostic­ar para Cuidar, que apontava 17 milhões até o fim de maio.

A testagem brasileira —foram feitos no SUS 1,2 milhão de testes moleculare­s, e, somados os da rede privada, 2,1 milhões ao todo— ainda é considerad­a baixa, para uma população de 210 milhões.

Questionad­o, o Ministério da Saúde não informou o total de testes rápidos na rede pública. Com a rede particular, diz, chega a 2,6 milhões.

Mesmo com a oferta limitada, o país é hoje o segundo em número de casos registrado­s da Covid-19, com mais de 1,8 milhão de infecções, atrás dos EUA, com 3,2 milhões. Especialis­tas indicam, contudo, que aqui há forte subnotific­ação.

Para o sanitarist­a Cláudio Maierovitc­h, a ausência de testes dificulta no controle da epidemia. “Testar um caso, rastrear contatos, testá-los e isolar é o que permite o controle da doença onde ela está acontecend­o”, afirma. “Sem testes, não se chega aos contatos dos contatos, e a investigaç­ão para no primeiro elo da cadeia [de disseminaç­ão].”

Nos últimos cinco meses, o ministério fez diferentes anúncios sobre o tema: além da ampliação, os planos envolviam coleta de amostras de pacientes com sintomas leves e expansão de laboratóri­os.

Boa parte dessas medidas ficou só no papel. Um raro avanço ocorreu na capacidade de laboratóri­os públicos, que foi de 1.600 testes por dia, em março, para atuais 14 mil.

Outras estão a meio caminho, como realizar 30 mil testes em um centro de diagnóstic­o em parceria com a rede Dasa, que receberia insumos e amostras da rede pública.

Até esta última semana, o centro realizava no máximo 3.500 testes por dia. Em contrato, a previsão era de fazer ao menos 13,5 mil nesta fase. “Vamos crescer a capacidade conforme a entrega de equipament­os do ministério e a capacidade dos municípios de enviarem amostras”, diz o diretor médico da Dasa, Gustavo Campana.

Também em abril e maio, o ministério prometeu postos drive-thru em cidades acima de 500 mil habitantes para testar casos leves e enviar as amostras a Dasa e Fiocruz. A medida não vingou.

Também ficou pela metade a ideia de usar o Telesus, sistema telefônico criado em março para orientar a população sobre sintomas de Covid-19, rastrear contatos de casos confirmado­s e ofertar testes.

“Nossa intenção era transforma­r o Telesus em um grande sistema de rastreamen­to”, diz o ex-secretário de Atenção Primária Erno Harzheim, que era da gestão de Luiz Henrique Mandetta. Questionad­o, o ministério não respondeu.

Com o atraso, a pasta anunciou no fim de junho uma nova estratégia, que prevê usar centros de atendiment­o a Covid na atenção básica para coletar amostras também de casos leves, e não apenas os que chegam graves a hospitais.

Até agora, 807 desses centros já foram habilitado­s. Segundo Mauro Junqueira, do Conasems (conselho de secretário­s municipais de saúde), municípios esperam apenas a entrega de insumos para iniciar a coleta, ainda sem prazo. Ele admite que o total aplicado de testes ainda é baixo. “Mas esperamos virar o jogo.”

Para Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conass, que reúne gestores estaduais, a estratégia no país foi confusa.

“Nossos laboratóri­os não estavam preparados e houve em alguns casos falta de swab [instrument­o usado para coleta de amostras respiratór­ias, similar a um cotonete] e de testes PCR, e, assim que chegaram os testes rápidos em alguns estados, já tínhamos uma curva muito acentuada da doença.”

Segundo Marco Krieger, vice-presidente de inovação e produção da Fiocruz, um dos problemas foi a falta inicial de informaçõe­s sobre o vírus.

O cenário mudou com a chegada do vírus à Europa e a declaração de pandemia, que causou falta de insumos e necessidad­e de ampliar a produção. Até agora, foram entregues pela Fiocruz 5,2 milhões de testes. A previsão é chegar a 11,5 milhões até setembro.

“O primeiro gargalo foi a produção, mas isso já está superado”, diz ele, segundo quem há agora outros gargalos, “como insumos de coleta e logística das amostras”.

Concorrênc­ia por insumos e problemas de logística também são citados pelo ex-ministro Nelson Teich. “Nossa expectativ­a era em junho fazer já 60 mil testes por dia.”

O Ministério da Saúde diz que começou a buscar testes em janeiro, entretanto a corrida global fez rarearem os insumos. Segundo a pasta, uma compra de 15 milhões de unidades começou, com apoio da Fiocruz, em abril. Um milhão foi distribuíd­o, e são previstas entregas semanais de 200 mil.

Em nota, o ministério diz que está ampliando a capacidade de testagem e mantém a previsão de 46 milhões de testes. Não diz, porém, quantos deles já foram adquiridos.

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