Amplificada na TV, homofobia se torna ainda mais trágica
Apresentadores, donos de emissoras e comentaristas expõem estupidez e preconceito em diversos canais
“Se você tem um amigô...”, disse Sikêra Júnior, forçando a pronúncia de amigo, “que você desconfia que arreia uma fase —era 380, foi para 220, 110— você pede para ele repetir umas palavras como essas”.
Na sequência, o apresentador do programa Alerta Nacional (RedeTV!) recitou três termos supostamente delicados —Chevette, pistache e orange— para que Marcelo de Carvalho os repetisse. O apresentador do “Mega Senha” e um dos sócios da RedeTV! não se fez de rogado e falou “errado”, como ele mesmo avisou no início do quadro.
A cena acima aconteceu no episódio de sábado (4) do “Mega Senha” e só por isso alcançou maior repercussão. Na verdade, era apenas a reprodução de uma brincadeira recorrente que Sikêra Jr. faz com seu produtor e assistente de palco Wallacy Bruno, “carinhosamente” apelidado de Michelle Obama.
Brincadeira? Pois é: em pleno 2020, quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo já existe no Brasil há quase uma década, ainda tem quem ache engraçado tirar sarro dos homossexuais. Que falam “errado”, como ressaltou o próprio Marcelo de Carvalho.
Claro que não é nenhuma novidade que atrações popularescas permaneçam com os dois pés afundados em meados do século passado, e isso não ocorre só na RedeTV!.
O fóssil ainda em atividade mais vistoso da TV brasileira é Silvio Santos, que só não nos tem brindado com suas ideias mofadas porque está em casa, por causa da pandemia.
Infelizmente, a tacanhice se estende também à CNN Brasil, canal de notícias que se gaba de ter boa penetração entre as classes mais altas.
Nesta quarta-feira (8), ao comentar a permissão de doar sangue dada pelo STF aos gays, Leandro Narloch soltou uma inexistente “opção sexual”. Até as pedras sabem que o que existe é orientação sexual e que ninguém escolhe a própria sexualidade.
Narloch ainda tratou os homossexuais como um grupo de risco em relação à Aids, quando o que existe são comportamentos de risco. A seu favor, saliente-se que o comentarista concluiu que a decisão do STF é “muito boa”.
Existe algo em comum entre as emissoras citadas: são todas simpáticas ao governo
Bolsonaro. Esse apoio é explícito na RedeTV!, no SBT e na Record, onde não são raros episódios preconceituosos.
Mas será que a CNN Brasil merece a alcunha de bolsonarista? É óbvio que, em nome da credibilidade, ela jamais irá manifestar oficialmente qualquer preferência política. E Narloch foi demitido após chuva de críticas nas redes sociais.
Porém, é sintomático que a CNN tenha sido uma das três únicas emissoras convidadas ao pronunciamento em que o presidente admitiu estar contaminado pelo coronavírus — junto com Record e TV Brasil.
A chegada do bolsonarismo ao poder envenenou ainda mais o debate público, que já vinha polarizado há tempos. Também parece que franqueou atitudes antes tidas como execráveis. Racismo, machismo, homofobia e apologia à violência passaram a ser defendidos como meras questões de opinião.
Que cidadãos comuns se sintam autorizados a expelir preconceito e estupidez, já é uma desgraça. Quando apresentadores de TV, donos de emissoras, comentaristas políticos e influenciadores em geral fazem o mesmo, a tragédia só aumenta.