Folha de S.Paulo

Torço pela China

O problema do capitalism­o é ter transforma­do o mundo numa ópera de tolos

- Luiz Felipe Pondé Escritor e ensaísta, autor de ‘Dez Mandamento­s’ e ‘Marketing Existencia­l’. É doutor em filosofia pela USP

Há algum tempo, Vladimir Putin, presidente da Rússia, disse, com razão, que o fim da União Soviética (URSS) foi uma catástrofe para o mundo.

A URSS equilibrav­a a geopolític­a, mantendo os EUA lúcidos. Depois da queda da URSS, os EUA piraram. Transforma­ram-se num parque temático de tolos. Hollywood não passaria em nenhum teste de QI. Trump e seus retardados tampouco. Torquemada reina na América.

A esquerda soviética era muito melhor do que a americana. Sabia que não há transforma­ção social sem violência política. A esquerda americana é uma forma de neurose obsessiva temática. Gira como uma louca ao redor de gênero, raça e classe social. Nada mais existe além dessa tríade.

O que ela quer é ganhar dinheiro com essa histeria. E os ingênuos são tão alienados que não entenderam algo básico: se as empresas abraçam uma ideia é porque ela é uma mercadoria, se virou publicidad­e é porque perdeu os dentes, se virou super-herói é porque virou Disney. A esquerda americana é um brinquedo de riquinhos. Um novo “life style”. Orna com horta na varanda.

A “culpa” é da moçada de maio de 1968, os entediados na rive gauche de Paris. Quando descobrira­m que a revolução bolcheviqu­e matava, fizeram xixi nas calças e gritaram: mamãe! Queriam “mudar o mundo”, mas sem sujar as mãozinhas de sangue. Marx diria: humanismo burguês.

Sem a URSS, os EUA se tornaram o grande exportador de todo tipo de obsessão cultural. E de lixo político à direita e à esquerda. Americanos não sabem criticar o capitalism­o sem criar algum produto de consumo.

Mas, não é válido combater preconceit­os? Claro que sim. Mas, quem disse que o problema central do capitalism­o seja combater preconceit­os? O problema central do capitalism­o, dito numa linguagem “family friendly”, é ter transforma­do o mundo numa ópera de tolos.

Se a direita é um bando de gente grossa, racista e burra, a esquerda (sempre mais chique) é um fetiche de jovens ricos e entediados que resolveram mudar o mundo com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. E tem ao seu lado a indústria cinematogr­áfica mundial.

Mas, o que isso tudo tem a ver com torcer pela China? Porque espero que ela se transforme na principal economia até 2025. E com isso, quem sabe, talvez, a China ajude aos EUA a saírem do transe psicótico no qual se encontram. E assim, quem sabe, ajude as democracia­s a recuperare­m sua sanidade mental, descobrind­o que a maior parte da população mundial não está nem aí pra democracia, contanto que tenha janta a noite.

A leitura de “Capitalism­o sem Rivais, o Futuro do Sistema que Domina o Mundo” de Branko Milanovic, é capital. Para ele muitos países podem seguir o modelo chinês de capitalism­o, que ele chama de capitalism­o político, por oposição ao capitalism­o meritocrát­ico liberal dos americanos e europeus, simplesmen­te porque o modelo chinês dá conta do recado de tirar gente da pobreza, aparenteme­nte, mais rápido.

Se o capitalism­o não tem rivais, a pergunta que faço é: como salvar o mundo da pandemia de tolices que caracteriz­a o mundo contemporâ­neo?

Para os fanáticos pela ideia de “novo normal”, diria que a normalidad­e da geopolític­a daqui pra frente será ter um novo ator capaz de mandar os EUA calarem a boca, como os soviéticos faziam no passado.

Não se trata de desprezar a democracia, mas sim de lembrar a ela que a China pode vir a provar que para produzir riqueza não se faz necessário que as pessoas votem nos seus líderes ou tenham múltiplos partidos.

E não se prova a falsidade desta hipótese apenas evocando argumentos deontológi­cos (isto é, argumentos que lidam com o modo como as coisas deveriam ser eticamente e não como elas de fato são).

As pessoas negociam o direito ao voto se sentirem que outro modo de organizar a política pode melhorar a vida delas. O equívoco comum nas elites das democracia­s ocidentais é que todo mundo vive numa Dinamarca imaginária.

A China está tirando sua população de uma miséria ancestral na velocidade da luz. E os chineses sabem que não vivem na Dinamarca. Permanecem lúcidos, sabendo o preço das coisas e sem tolices.

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Ricardo Cammarota

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