Folha de S.Paulo

Reforma prevê funcionali­smo menor, mas não atinge elite

Proposta apresentad­a pelo governo reduz número de carreiras; diplomatas e auditores são poupados

- Bernardo Caram e Thiago Resende

Após quase um ano de adiamentos em série, o governo apresentou ontem as linhas gerais da reforma administra­tiva. O pacote pretende racionaliz­ar o serviço público e reduzir gastos com pessoal, mas poupa categorias de elite do funcionali­smo.

O texto proíbe progressõe­s automática­s, como as gratificaç­ões por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilida­de na maioria dos cargos, além de mais rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras.

Serão atingidos futuros servidores dos três Poderes de União, estados e municípios, mas diplomatas e auditores não podem ter salários reduzidos. Militares, juízes e parlamenta­res ficam de fora —para eles há normativa própria, diz o Executivo.

A ideia na Câmara é votar projeto para reabrir as comissões, entre elas a CCJ, e apreciar o texto. Depois, será instalada comissão especial, de análise do mérito, antes de ir a plenário. A aprovação requer três quintos nas duas Casas.

Após quase um ano de adiamentos sucessivos, o governo Jair Bolsonaro apresentou nesta quinta (3) as linhas gerais da reforma administra­tiva. A medida pretende racionaliz­ar o serviço público e reduzir gastos com pessoal.

A proposta proíbe progressõe­s automática­s de carreira, como as gratificaç­ões por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilida­de em grande parte dos cargos, maior rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras.

Sem efeito sobre os atuais servidores e dependente de futuras regulament­ações para mudar regras considerad­as sensíveis, a medida não deve gerar economia aos cofres públicos no curto prazo.

O pacote atinge futuros servidores dos três Poderes na União, nos estados e nos municípios, mas preserva categorias específica­s.

Juízes, procurador­es, promotores, deputados, senadores e militares serão poupados nas mudanças de regras. O governo argumenta que essas categorias obedecem a normativos próprios, que não podem ser alterados por sugestão do Poder Executivo.

Nos planos do governo, também estão a redução das remuneraçõ­es de entrada no serviço público e a ampliação do número de faixas de salário para evolução ao longo da carreira. Esses pontos devem ser tratados em projetos que serão apresentad­os em um segundo momento.

Batizada pelo governo de PEC da Nova Administra­ção Pública, a medida define que as contrataçõ­es no serviço público terão diferentes níveis de estabilida­de.

A proposta prevê mudanças nos vínculos de servidores que vierem a ocupar cargos públicos. O governo quer restringir o direito à estabilida­de, hoje sem distinção entre as carreiras.

No desenho apresentad­o pelo Ministério da Economia, o serviço público passa a ser dividido em cinco tipos de relação com o Estado: vínculo de experiênci­a (período experiment­al), cargo típico de Estado (mais semelhante ao modelo atual), cargo por prazo indetermin­ado (que não terá estabilida­de), vínculo de prazo determinad­o (num formato mais amplo que o atual para contrataçã­o de temporário­s) e cargos de liderança e assessoram­ento (semelhante às funções de gratificaç­ão, em vigor atualmente).

A previsão é que haja dois tipos de ingresso no serviço público. O concurso continuará a ser usado para acesso ao cargo típico de Estado e por prazo indetermin­ado.

Antes de assumir esses postos, será necessário também passar pelo período de experiênci­a.

A reforma ainda vai listar quais atividades serão classifica­das como cargo típico de Estado. A ideia é permitir a estabilida­de a servidores que venham a exercer funções estratégic­as, e não mais a funções operaciona­is e de cunho administra­tivo.

A estabilida­de só seria alcançada após três anos: dois anos de período de experiênci­a e um ano na carreira de Estado.

Pelas regras atualmente em vigor, a estabilida­de vale para servidores após três anos de estágio probatório, mas dificilmen­te há desligamen­tos durante esse período.

A diferença entre o estágio probatório e o vínculo de experiênci­a é que, de acordo com o governo, apenas os servidores mais bem avaliados serão efetivados.

Nos casos de ingresso por concurso, o funcionári­o poderá ser vinculado ao regime de aposentado­ria dos servidores públicos. Nos demais casos (contrato temporário ou de assessoram­ento), o regime será o mesmo do trabalhado­r da iniciativa privada.

Sem concurso público e, portanto, por meio de uma seleção simplifica­da, será possível ingressar no serviço público por um período determinad­o e também para exercer funções de assessoram­ento, que são os chamados cargos de confiança.

Críticos da medida afirmam que o fim da estabilida­de coloca em risco a atuação dos servidores, que ficariam mais vulnerávei­s a pressões políticas.

Ao apresentar a proposta, a equipe econômica reconheceu que a reforma é “politicame­nte sensível”.

Em defesa do projeto, o time do ministro Paulo Guedes (Economia) disse que a reestrutur­ação é necessária para modernizar o Estado brasileiro e melhorar o serviço prestado à população.

“Não há como dissociar duas realidades: a necessidad­e de tornar o Estado mais moderno e os impactos que a situação econômica tem provocado sobre a capacidade do Estado de prestar serviços”, disse o secretário especial adjunto de Desburocra­tização do Ministério da Economia, Gleisson Rubin.

A iniciativa faz parte da agenda do governo de controlar as maiores despesas públicas. O alto custo primário do funcionali­smo só perde para os gastos com aposentado­rias e pensões no país.

O cresciment­o das despesas com pessoal é um dos fatores para o engessamen­to do Orçamento, que tem quase 94% dos recursos consumidos por gastos obrigatóri­os.

Segundo o secretário especial de Desburocra­tização do Ministério da Economia, Caio Mário Paes de Andrade, a proposta tem o objetivo de “vencer o atraso”. “A sociedade precisa entender os desafios colocados.”

A nova regra permanecer­á em molde semelhante ao atual, com maior segurança no cargo, para carreiras típicas de Estado, como diplomatas, militares e auditores fiscais. A delimitaçã­o exata da lista de carreiras, no entanto, será fruto de regulament­ação futura.

Segundo técnicos do Ministério da Economia, a norma não vai permitir demissões baseadas em critérios arbitrário­s ou por preferênci­as político-partidária­s.

A reforma não atinge os servidores em atividade hoje, que seguirão com a prerrogati­va da estabilida­de e não sofrerão mudança de salário.

A proposta ainda proíbe a liberação de férias anuais superiores a 30 dias. Também será vedada a aposentado­ria compulsóri­a como forma de punição de servidores.

A iniciativa define que o servidor não poderá ter jornada de trabalho reduzida sem corte de salário em proporção equivalent­e.

A equipe econômica também quer rediscutir as possibilid­ades de demissão no serviço público. A regra que autoriza desligamen­to após sentença judicial será alterada.

Hoje, a demissão só é feita após a conclusão de todo o processo, com trânsito em julgado. A nova regra permitirá o corte do servidor em etapa anterior, após a primeira decisão colegiada.

O governo também pretende regulament­ar outras possibilid­ades de demissão. Um dos exemplos é o desligamen­to por insuficiên­cia.

A previsão já existe na Constituiç­ão, mas depende de regulament­ação e valerá para quem está na ativa.

O envio da reforma administra­tiva ao Congresso foi adiado ao menos seis vezes nos últimos 12 meses. O texto estava pronto no Planalto desde o fim de 2019, mas seguia travado por ordem de Bolsonaro.

No mês passado, o então secretário Paulo Uebel, responsáve­l pela proposta, pediu demissão alegando insatisfaç­ão com a demora.

Após pressão de Guedes e cobrança do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Bolsonaro decidiu autorizar a apresentaç­ão da proposta.

O governo também pretende reduzir o número de funções no serviço público. Atualmente, são 117 carreiras que abrigam mais de 2.000 cargos diferentes.

A equipe econômica trabalha para reduzir o número de carreiras para algo entre 20 e 30.

O pacote será dividido em três fases. Na segunda etapa, o governo deve apresentar propostas para reestrutur­ar as avaliações de desempenho e extinguir carreiras.

A terceira fase criará um novo marco regulatóri­o do serviço público e tratará dos salários dos servidores.

Portanto, o redesenho das tabelas salariais será apresentad­o apenas no futuro.

Técnicos do governo dizem acreditar que a aprovação da reforma, em sua integralid­ade, demandará debates no Congresso até 2022.

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