Reforma prevê funcionalismo menor, mas não atinge elite
Proposta apresentada pelo governo reduz número de carreiras; diplomatas e auditores são poupados
Após quase um ano de adiamentos em série, o governo apresentou ontem as linhas gerais da reforma administrativa. O pacote pretende racionalizar o serviço público e reduzir gastos com pessoal, mas poupa categorias de elite do funcionalismo.
O texto proíbe progressões automáticas, como as gratificações por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilidade na maioria dos cargos, além de mais rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras.
Serão atingidos futuros servidores dos três Poderes de União, estados e municípios, mas diplomatas e auditores não podem ter salários reduzidos. Militares, juízes e parlamentares ficam de fora —para eles há normativa própria, diz o Executivo.
A ideia na Câmara é votar projeto para reabrir as comissões, entre elas a CCJ, e apreciar o texto. Depois, será instalada comissão especial, de análise do mérito, antes de ir a plenário. A aprovação requer três quintos nas duas Casas.
Após quase um ano de adiamentos sucessivos, o governo Jair Bolsonaro apresentou nesta quinta (3) as linhas gerais da reforma administrativa. A medida pretende racionalizar o serviço público e reduzir gastos com pessoal.
A proposta proíbe progressões automáticas de carreira, como as gratificações por tempo de serviço, e abre caminho para o fim da estabilidade em grande parte dos cargos, maior rigidez nas avaliações de desempenho e redução do número de carreiras.
Sem efeito sobre os atuais servidores e dependente de futuras regulamentações para mudar regras consideradas sensíveis, a medida não deve gerar economia aos cofres públicos no curto prazo.
O pacote atinge futuros servidores dos três Poderes na União, nos estados e nos municípios, mas preserva categorias específicas.
Juízes, procuradores, promotores, deputados, senadores e militares serão poupados nas mudanças de regras. O governo argumenta que essas categorias obedecem a normativos próprios, que não podem ser alterados por sugestão do Poder Executivo.
Nos planos do governo, também estão a redução das remunerações de entrada no serviço público e a ampliação do número de faixas de salário para evolução ao longo da carreira. Esses pontos devem ser tratados em projetos que serão apresentados em um segundo momento.
Batizada pelo governo de PEC da Nova Administração Pública, a medida define que as contratações no serviço público terão diferentes níveis de estabilidade.
A proposta prevê mudanças nos vínculos de servidores que vierem a ocupar cargos públicos. O governo quer restringir o direito à estabilidade, hoje sem distinção entre as carreiras.
No desenho apresentado pelo Ministério da Economia, o serviço público passa a ser dividido em cinco tipos de relação com o Estado: vínculo de experiência (período experimental), cargo típico de Estado (mais semelhante ao modelo atual), cargo por prazo indeterminado (que não terá estabilidade), vínculo de prazo determinado (num formato mais amplo que o atual para contratação de temporários) e cargos de liderança e assessoramento (semelhante às funções de gratificação, em vigor atualmente).
A previsão é que haja dois tipos de ingresso no serviço público. O concurso continuará a ser usado para acesso ao cargo típico de Estado e por prazo indeterminado.
Antes de assumir esses postos, será necessário também passar pelo período de experiência.
A reforma ainda vai listar quais atividades serão classificadas como cargo típico de Estado. A ideia é permitir a estabilidade a servidores que venham a exercer funções estratégicas, e não mais a funções operacionais e de cunho administrativo.
A estabilidade só seria alcançada após três anos: dois anos de período de experiência e um ano na carreira de Estado.
Pelas regras atualmente em vigor, a estabilidade vale para servidores após três anos de estágio probatório, mas dificilmente há desligamentos durante esse período.
A diferença entre o estágio probatório e o vínculo de experiência é que, de acordo com o governo, apenas os servidores mais bem avaliados serão efetivados.
Nos casos de ingresso por concurso, o funcionário poderá ser vinculado ao regime de aposentadoria dos servidores públicos. Nos demais casos (contrato temporário ou de assessoramento), o regime será o mesmo do trabalhador da iniciativa privada.
Sem concurso público e, portanto, por meio de uma seleção simplificada, será possível ingressar no serviço público por um período determinado e também para exercer funções de assessoramento, que são os chamados cargos de confiança.
Críticos da medida afirmam que o fim da estabilidade coloca em risco a atuação dos servidores, que ficariam mais vulneráveis a pressões políticas.
Ao apresentar a proposta, a equipe econômica reconheceu que a reforma é “politicamente sensível”.
Em defesa do projeto, o time do ministro Paulo Guedes (Economia) disse que a reestruturação é necessária para modernizar o Estado brasileiro e melhorar o serviço prestado à população.
“Não há como dissociar duas realidades: a necessidade de tornar o Estado mais moderno e os impactos que a situação econômica tem provocado sobre a capacidade do Estado de prestar serviços”, disse o secretário especial adjunto de Desburocratização do Ministério da Economia, Gleisson Rubin.
A iniciativa faz parte da agenda do governo de controlar as maiores despesas públicas. O alto custo primário do funcionalismo só perde para os gastos com aposentadorias e pensões no país.
O crescimento das despesas com pessoal é um dos fatores para o engessamento do Orçamento, que tem quase 94% dos recursos consumidos por gastos obrigatórios.
Segundo o secretário especial de Desburocratização do Ministério da Economia, Caio Mário Paes de Andrade, a proposta tem o objetivo de “vencer o atraso”. “A sociedade precisa entender os desafios colocados.”
A nova regra permanecerá em molde semelhante ao atual, com maior segurança no cargo, para carreiras típicas de Estado, como diplomatas, militares e auditores fiscais. A delimitação exata da lista de carreiras, no entanto, será fruto de regulamentação futura.
Segundo técnicos do Ministério da Economia, a norma não vai permitir demissões baseadas em critérios arbitrários ou por preferências político-partidárias.
A reforma não atinge os servidores em atividade hoje, que seguirão com a prerrogativa da estabilidade e não sofrerão mudança de salário.
A proposta ainda proíbe a liberação de férias anuais superiores a 30 dias. Também será vedada a aposentadoria compulsória como forma de punição de servidores.
A iniciativa define que o servidor não poderá ter jornada de trabalho reduzida sem corte de salário em proporção equivalente.
A equipe econômica também quer rediscutir as possibilidades de demissão no serviço público. A regra que autoriza desligamento após sentença judicial será alterada.
Hoje, a demissão só é feita após a conclusão de todo o processo, com trânsito em julgado. A nova regra permitirá o corte do servidor em etapa anterior, após a primeira decisão colegiada.
O governo também pretende regulamentar outras possibilidades de demissão. Um dos exemplos é o desligamento por insuficiência.
A previsão já existe na Constituição, mas depende de regulamentação e valerá para quem está na ativa.
O envio da reforma administrativa ao Congresso foi adiado ao menos seis vezes nos últimos 12 meses. O texto estava pronto no Planalto desde o fim de 2019, mas seguia travado por ordem de Bolsonaro.
No mês passado, o então secretário Paulo Uebel, responsável pela proposta, pediu demissão alegando insatisfação com a demora.
Após pressão de Guedes e cobrança do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Bolsonaro decidiu autorizar a apresentação da proposta.
O governo também pretende reduzir o número de funções no serviço público. Atualmente, são 117 carreiras que abrigam mais de 2.000 cargos diferentes.
A equipe econômica trabalha para reduzir o número de carreiras para algo entre 20 e 30.
O pacote será dividido em três fases. Na segunda etapa, o governo deve apresentar propostas para reestruturar as avaliações de desempenho e extinguir carreiras.
A terceira fase criará um novo marco regulatório do serviço público e tratará dos salários dos servidores.
Portanto, o redesenho das tabelas salariais será apresentado apenas no futuro.
Técnicos do governo dizem acreditar que a aprovação da reforma, em sua integralidade, demandará debates no Congresso até 2022.