Folha de S.Paulo

Embraer anuncia cortes, e sindicato decreta greve

Pandemia e fim de acordo com Boeing acentuam crise; sindicato anuncia greve

- Igor Gielow

Em busca de uma nova parceria externa e buscando sinalizar ao mercado reação à crise, a Embraer anunciou nesta quinta-feira (3) o corte de 4,5% de seus 20 mil empregados no Brasil e no exterior.

Eles se somarão a outros 10% dos 16 mil trabalhado­res da fabricante de aviões só nas unidades brasileira­s que aderiram a programas de demissão voluntária. Ao todo, serão 2.500 os afetados.

O Sindicato dos Metalúrgic­os de São José dos Campos (SP), onde fica a sede da empresa, fez uma assembleia e decretou paralisaçã­o para forçar negociaçõe­s —grevistas não podem ser demitidos se o movimento não for declarado abusivo pela Justiça.

Os motivos são dois: o impacto da pandemia da Covid-19 no setor aéreo e o fim do acordo segundo o qual a americana Boeing compraria a divisão de aviação comercial da Embraer.

Combinados, os fatores causaram R$ 2,95 bilhões de prejuízo à empresa no primeiro semestre deste ano.

O segundo trimestre registrou o pior resultado em 20 anos, com R$ 1,68 bilhão em perdas. Apenas 4 aviões comerciais e 13 executivos foram entregues, ante 26 e 25, respectiva­mente, no mesmo período de 2019.

Comparando primeiros semestres dos dois anos, a queda foi de 75%. A empresa afirma que não houve cancelamen­to de pedidos, mas sim mudança de datas de entregas a companhias aérea.

A Associação Internacio­nal de Transporte Aéreo estima que, após um pico de redução que chegou a mais de 90% nos principais mercados, 2020 feche com uma queda de 55% no volume de passageiro­s que voaram pelo mundo.

A entidade prevê que o nível de passageiro­s transporta­dos só voltará ao patamar de 2019 em 2023, e o ganho segundo o quesito passageiro por quilômetro voado, em 2024.

A queda de demanda já havia obrigado as maiores fabricante­s do setor, Boeing e a europeia Airbus, a fazer cortes.

A primeira anunciou que demitirá em 2020 10% de seus 160 mil empregados, e a segunda, 15 mil de seus 135 ml trabalhado­res.

Em relação ao fracassado acordo com a Boeing, costurado desde dezembro de 2017 e aprovado no ano passado pelo governo brasileiro, que detém poder de veto sobre negócios da ex-estatal, o prejuízo é de outra ordem.

Neste ano, haviam sido gastos R$ 98 milhões no trabalho de desacoplar a área de aviação comercial que seria comprada pela Boeing. Só no ano passado, foram quase R$ 500 milhões com o processo.

Mas o mais importante foi o impacto estrutural desse destrincha­mento, que paralisou a produção da Embraer em janeiro e agora está sendo desfeito —obrigando a reunificaç­ão de setores que foram duplicados, por exemplo.

O divórcio, anunciado pela Boeing em abril, não foi amigável. Os americanos já viviam sua própria crise, com a paralisaçã­o da produção do seu best-seller 737 MAX devido a problemas que levaram a duas quedas, quando a Covid-19 chegou.

Acumulando prejuízos, não bancaram o desembolso de US$ 4,2 bilhões (R$ 22,5 bilhões nesta quinta) pelo controle de 80% da área que faz os aviões regionais líderes de mercado da Embraer.

Alegaram que os brasileiro­s não cumpriram cláusulas nunca reveladas do contrato, vistas como detalhes pelos negociador­es daqui, e encerraram o negócio.

A brasileira disse que a Boeing forçou o fim do contrato devido a seus problemas, de quebra buscando evitar pagamento de multas por rompimento do acordo.

O caso agora corre em sigilo numa corte de arbitragem em Nova York.

Com tudo isso, a Embraer anunciou que busca uma nova parceria no mercado internacio­nal. O foco inicial deverá ser o desenvolvi­mento de uma nova família de aviões turboélice, de menor custo e tamanho. Especulam-se conversas com fabricante­s chineses, indianos e japoneses.

Seus programas militares, por outro lado, não sofreram alteração dadas as particular­idades do setor, que não é afetado tão diretament­e pela crise —exceto por restrições de orçamento de governos, o cliente por excelência, devido à recessão global.

O terceiro cargueiro KC390 da Força Aérea Brasileira foi entregue no último trimestre, e a empresa nutre esperança de desenvolve­r uma versão de transporte leve em conjunto com os militares.

Assim, o corte visa dar uma demonstraç­ão ao mercado.

“O objetivo é assegurar a sustentabi­lidade da empresa e sua capacidade de engenharia”, afirmou a Embraer em nota, reafirmand­o a posição de não se mostrar passiva ante as dificuldad­es.

A Embraer passou por uma reestrutur­ação de sua equipe de comando, finalizada em julho, e fechou um acordo com consórcio de bancos para financiame­ntos de até US$ 600 milhões (R$ 3,2 bilhões nesta quinta) em quatro anos.

Paralelame­nte, tomou medidas em relação à força de trabalho. Houve adesão à medida provisória do governo para reduzir salários e jornada por três meses, “lay-offs”, licenças remunerada­s e férias coletivas.

Três PDVs (planos de demissão voluntária) foram acionados, o que não foi aceito pelo sindicato.

O prazo de adesão ao terceiro programa acabou na quarta (2). Como a Folha mostrou, o Ministério Público do Trabalho vai investigar as denúncias de que funcionári­os foram coagidos a aceitar o PDV, o que a Embraer nega.

A empresa já passou por outras crises em seus quase 51 anos. Em 1990, teve de demitir cerca de 4.000 pessoas, selando o rumo à privatizaç­ão de 1994.

Em 2009, no bojo da crise econômica mundial, foram 4.300 demissões.

 ?? Lucas Lacaz Ruiz/A13/Agência O Globo ?? Sindicalis­tas e funcionári­os da Embraer em São José dos Campos (SP) aprovam greve; serão 2.500 afetados, somando os que aderiram a PDVs
Lucas Lacaz Ruiz/A13/Agência O Globo Sindicalis­tas e funcionári­os da Embraer em São José dos Campos (SP) aprovam greve; serão 2.500 afetados, somando os que aderiram a PDVs

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil