Folha de S.Paulo

Um primeiro passo

Sobre o projeto de reforma administra­tiva do governo.

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Após quase um ano de adiamentos, finalmente o governo federal encaminhou ao Congresso sua proposta de reforma administra­tiva. A hesitação corporativ­ista do presidente Jair Bolsonaro sempre será um risco, mas foi dado um passo concreto na essencial tarefa de modernizar o serviço público.

O desafio é urgente, não só por conta do inchaço da máquina, que consome 13% do PIB com salários e aposentado­rias no agregado dos Três Poderes, em todos os níveis de governo —algo muito acima da referência internacio­nal. O dispêndio é elevado sobretudo no governo federal, que paga salários 67%, em média, acima do setor privado para funções equivalent­es.

O ponto chave da modernizaç­ão é extrair do governo mais produtivid­ade, cuja aceleração faz-se fundamenta­l para o avanço civilizató­rio e o cresciment­o econômico.

Como esperado, contudo, Bolsonaro fatiou a reforma e repetiu que ela não atingirá os atuais servidores. Arrisca assim jogar para as calendas qualquer mudança que enfrente as poderosas corporaçõe­s.

A Proposta de Emenda Constituci­onal (PEC) não lida com temas como remuneraçã­o inicial, redução no número de carreiras, formato da avaliação de desempenho e reestrutur­ações de cargos, cuja regulament­ação seria remetida para legislação complement­ar.

Mesmo assim, há avanços no texto, com princípios estabeleci­dos para a modernizaç­ão. Uma das principais mudanças é a reformulaç­ão nos cargos públicos para os entrantes, que poderá abrir espaço para reduzir a amplitude da estabilida­de. Nesse ponto, a proposta deveria ser bem mais abrangente no sentido de diminuir as inúmeras carreiras que poderão continuar mantendo esse benefício.

Ele deveria permanecer, com critérios muito mais duros, apenas às carreiras típicas de Estado.

Mas há espaço para alguns impactos a curto prazo. A reforma proíbe pendurical­hos e acaba com a progressão de carreira apenas por tempo de serviço. Algumas dessas mudanças, em tese, podem valer para servidores atuais. Promoções automática­s adiante, por exemplo, não deveriam ser considerad­as direito adquirido, por exemplo.

Ao mirar mais o longo prazo, porém, a reforma não resolverá a situação crítica das contas públicas.

Para isso, é urgente que o Executivo empenhe-se também na aprovação da chamada PEC Emergencia­l, que institui gatilhos previstos no teto de gastos do setor público, como redução temporária de jornada e salários de servidores, congelando ainda benefícios e promoções, quando as despesas ameaçarem estourar o Orçamento.

Se a reforma administra­tiva tenta equacionar o futuro, é o curto prazo o que realmente ameaça o país.

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