Fui condenado pela mulher do amigo
Deltan Dallagnol decidiu me processar por danos morais e escolheu caminho que considero um truque
Deltan Dallagnol me processou por danos morais, e terei de pagar R$ 35 mil. A juíza que me condenou é mulher de um procurador que trabalha com Deltan. Parece-me certo que ela devia ter-se dado por suspeita para julgar.
O “fumus boni juris” —as evidências de que uma causa é justa— está se transformando, no Brasil, numa fumaça tóxica, em que se misturam voluntarismo, direito criativo e, muitas vezes, corporativismo e compadrio. Decisões heterodoxas podem colher, por exemplo, um jornalista ou um governador. Querem ver?
O procurador da República Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, decidiu me processar por danos morais. Escolheu um caminho que constitui o que considero um truque, já chego lá. Fui condenado a lhe pagar R$ 35 mil.
Até aí, dirá o leitor, fazer o quê? Nessas coisas, há sempre vencedores e vencidos. O importante é que se garanta o devido processo legal. Estou inteiramente de acordo com a constatação e com o postulado. Ocorre que há uma particularidade no caso.
Sibele Lustosa, a juíza de direito que me condenou, é mulher do procurador da República
Daniel Holzmann Coimbra, que trabalha com Dallagnol na Procuradoria da República no Paraná. São parceiros e amigos. Parece-me certo —razão por que submeto o caso ao escrutínio de leitores, juízes do Paraná, do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça— que Sibele deveria ter-se dado por suspeita para julgar o caso.
Numa democracia, têm de valer as regras do jogo. Dispõe o inciso I do artigo 145 do Código de Processo Civil: “Há suspeição do juiz [quando] amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados”. Obviamente, não sou inimigo da juíza Sibele, mas ela é mulher do amigo da outra parte.
Há particularidades no processo. Dallagnol apelou ao Sexto Juizado Especial Civil de Curitiba, que é o antigo Juizado de Pequenas Causas. Obviamente, estamos no terreno da liberdade de expressão e da eventual transgressão de seus limites. Um direito constitucional não pode, por definição, ser considerado uma “pequena causa”.
Ocorre que o caminho escolhido pelo procurador encontrou o juizado que lhe pareceu mais adequado, não é mesmo? Mais: por ser uma suposta “pequena causa”, a chance de apelar da sentença se resume a uma Câmara Recursal apenas, que faz as vezes do Tribunal de Justiça, obstando-se o caminho para o STJ.
Se eu for malsucedido nessa esfera, resta recurso extraordinário ao STF, situação, então, em que ou a corte constitucional do país avalia um caso oriundo do antigo Juizado de Pequenas Causas, ou o peticionário —nesse caso, este escriba— é condenado a cumprir a decisão tomada pela mulher do amigo da parte vencedora.
Não descarto que a juíza Sibele possa estar convencida de que sou culpado e de que o parceiro e amigo de seu marido tem razão na sua demanda. Mas o Código de Processo Civil protege querelantes, querelados e juízes dessa situação vexatória. Ah, sim: quem redigiu uma sentença que diz respeito a um fundamento constitucional foi uma juíza leiga —advogada que presta serviço à Justiça para casos de menor complexidade. Mas a decisão tem de ser referendada por juiz de direito e foi —no caso, pela doutora Sibele.
As peripécias de Dallagnol — do showmício do PowerPoint aos eventos impressionantes no Conselho Nacional do Ministério Público, passando pelas coisas assombrosas reveladas pela Vaza Jato— fazem dele um homem célebre e podem até lhe render vaga no Senado. Está fora da Lava Jato, o que considero, em si, um bem para o devido processo legal.
Importam-me menos, no entanto, disposições subjetivas. Luto em favor de limites objetivos. A Lava Jato, como a conhecemos, esfacelou-se, mas seus métodos sobrevivem, como se vê na cruzada ilegalista da PGR contra Wilson Witzel, coonestada, infelizmente, pelo STJ. Nada tenho de bom a dizer sobre o governador do Rio. Seu afastamento, nas condições dadas, é uma aberração.
Augusto Aras, procuradorgeral da República, acumulou, é certo, arsenal convincente o bastante para fazer a tropa da Lava Jato bater em retirada. E em silêncio. Por quê? Cabe à imprensa descobrir. A luta pelo Estado de Direito assume, para mim, nova perspectiva. Importa pôr fim às ilegalidades que a força-tarefa consagrou para que a fumaça tóxica não sirva a novos senhores.
| dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso R. de Barros | ter. Joel P. da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado H. Mendes | qui. Fernando Schüler
| sex. Reinaldo Azevedo, Angela Alonso, Silvio Almeida | sáb. Demétrio Magnoli