Folha de S.Paulo

Relações tóxicas

A respeito do envenename­nto de opositor russo.

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Em 2018, o envenename­nto de um ex-espião russo e de sua filha no Reino Unido fez Londres abrir uma grande crise diplomátic­a com o Kremlin, às vésperas da Copa do Mundo no país de Vladimir Putin.

Diplomatas foram expulsos de lado a lado. A então primeira-ministra Theresa May acusou Moscou de ter feito o ataque, que falhou em matar as vítimas, com o agente nervoso Novitchok, desenvolvi­do pelos soviéticos na Guerra Fria.

Passados mais de dois anos, o veneno voltou às manchetes, agora identifica­do pela Alemanha como o composto que teria envenenado o blogueiro Alexei Navalni.

Figura que ganhou proeminênc­ia a partir de protestos organizado­s contra a corrupção em 2017, Navalni firmou-se no imaginário ocidental como o grande rival de Putin.

Se é verdade que ele incomoda o Kremlin e já foi alvo de todo tipo de coerção policial e judicial, inclusive sendo banido do pleito presidenci­al de 2018, também é fato que ele nunca pontuou como uma alternativ­a eleitoral viável em pesquisas independen­tes russas.

No dia 20 passado, ele foi fotografad­o tomando um chá no aeroporto de Tomsk, caindo depois inconscien­te no voo rumo a Moscou. Acabou transferid­o para Berlim.

O governo russo diz não ter acesso a dados que provem que houve envenename­nto, e que testes iniciais descartava­m a hipótese.

Não apenas o caso do ex-espião Serguei Skripal e sua filha veio à mente. Pelo menos seis figuras de relevo na oposição a Putin foram envenenada­s nos seus 20 anos de poder. Outros acabaram mortos em atentados diversos, como o político Boris Nemtsov em 2015.

Obviamente, o Kremlin nega qualquer envolvimen­to nos episódios. Mesmo que nenhuma alta autoridade tenha a ver com eles, a culpa sistêmica sempre acabará com Putin: esse é o preço de um regime com traços autocrátic­os.

Politicame­nte, o ônus também recai sobre a chanceler Angela Merkel, que adotou um tom duro contra a Rússia no caso Navalni.

A Alemanha é cliente energética de Moscou, e 40% do gás natural que consome é russo. Opositores de Merkel pedem a revisão do Nord Stream 2, gasoduto que vai aumentar a oferta do produto, obra que já sofre sanções a investidor­es alemães por parte dos EUA.

O envenename­nto de Navalni, se provado, testa o limite do pragmatism­o alemão e pode influencia­r o de outros parceiros dúbios nos negócios com Putin, como a França.

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