Folha de S.Paulo

Sem diversidad­e nas cúpulas, partidos derrapam e são vistos como barreira

Ativistas defendem democratiz­ação de legendas como passo essencial para pluralidad­e de eleitos

- Joelmir Tavares e Guilherme Garcia

Moradora da Vila Mazzei, na zona norte de São Paulo, Malu Molina, 27, irá neste ano para sua segunda campanha eleitoral. Tentou ser deputada estadual em 2018 pelo PDT e agora tentará uma vaga na Câmara Municipal da capital pelo Cidadania.

Formada em ciência política, ela quer contribuir para as estatístic­as das mulheres eleitas, mas diz não ver outra saída para o problema da subreprese­ntação feminina sem uma mudança nos partidos. “Sem legendas mais democrátic­as e transparen­tes, nunca vamos avançar”, afirma.

A Constituiç­ão estabelece a filiação partidária como condição necessária para um cidadão se candidatar. Diferentem­ente de outros países, o Brasil não permite candidatur­a avulsa, embora a possibilid­ade venha sendo debatida nos últimos anos.

“As cúpulas partidária­s são formadas majoritari­amente por homens, brancos, heterossex­uais e com uma condição financeira melhor que a da média da população. É uma série de privilégio­s históricos”, diz Malu.

A queixa reproduz um pensamento corrente entre ativistas e movimentos que defendem mais diversidad­e nos cargos eletivos. O aspecto padronizad­o na direção da maioria dos partidos é visto como uma barreira para a ascensão de líderes cujo perfil destoa do dos caciques.

Segundo levantamen­to feito pela Folha, só 1 dos 33 partidos no país tem mais mulheres do que homens em seu diretório nacional, o PMB (Partido da Mulher Brasileira), com um percentual de 54%.

Na outra ponta, legendas como Novo, PCB e PCO têm menos de 20% dos cargos internos ocupados por representa­ntes femininas.

Os dados sobre a composição das cúpulas disponívei­s no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) não permitem análise por raça ou classe social, mas o critério gênero já é indicativo da baixa pluralidad­e.

Nos âmbitos estadual e municipal (consideran­do a média de todos os estados e municípios), a situação se repete, com a maioria dos partidos abrigando em torno de 30% de mulheres nos postos de comando — alguns estão bem abaixo, como o Novo, com 14%.

Para Malu, parte de seu fracasso em 2018 (ela teve 17 mil votos e ficou apenas na suplência) e de sua decepção inicial com a política está ligada ao tratamento recebido em sua antiga sigla, com falta de apoio na campanha.

“Para eles, era como se fôssemos meninas metidas a besta, ‘quem é você?’, ‘cresça e apareça’”, diz ela, que ingressou no PDT ao lado da hoje deputada federal Tabata Amaral.

“Comecei a ficar desapontad­a, porque cheguei com muita garra e via que pessoas no comando do partido não estavam interessad­as em alguém que queria movimentar e liderar, e não ser apenas um militante que faz o que os dirigentes falam”, acrescenta.

Malu depois foi trabalhar no gabinete de Tabata e, como a amiga, se distanciou do PDT. A parlamenta­r move um processo de desfiliaçã­o por justa causa no TSE, que ainda não foi julgado. Ela alega ter sido perseguida após votar a favor da reforma da Previdênci­a.

O PDT nega praticar discri

minação, afirma que Malu teve repasse financeiro de campanha inclusive maior que o de outros candidatos e diz que a diversidad­e é levada a sério na legenda. Recentemen­te, propagande­ou que quase 50% dos candidatos a vereador neste ano na capital são pretos e pardos.

Presidente nacional da sigla, Carlos Lupi se diz a favor das causas feminina e negra e de cotas para ambos os grupos.

“A sociedade é muito machista, e a política é machista vezes dois. No Nordeste, mais ainda. Não é simples. A mulher tem dupla jornada e, quando entra para a política, todo mundo já pergunta: ‘Você vai ser a primeira-dama de quem?’. É como se a mulher não pudesse ser protagonis­ta”, analisa.

Para além do caso do PDT, o exemplo é ilustrativ­o de um problema que atinge, em todos os partidos, outras mulheres, negros, LGBTs e pessoas com deficiênci­a. Políticos, acadêmicos e militantes ouvidos pela Folha concordam no diagnóstic­o e dizem que a situação não é exclusiva de um ou outro partido.

O quadro é ecumênico também do ponto de vista do espectro ideológico. Em menor ou maior grau, partidos da esquerda à direita têm em postos de comando dirigentes que perpetuam padrões e preconceit­os. Mesmo agremiaçõe­s que ostentam a bandeira da inclusão ainda precisam progredir.

“Temos que olhar para o sistema como um todo”, diz a pesquisado­ra Evorah Cardoso, doutora em direito pela USP e ativista ligada à #MeRepresen­ta, uma plataforma de estímulo a candidatur­as de mulheres, negros e LGBTs que atua desde 2016.

“É uma questão estrutural e institucio­nal, que passa pela maneira como os partidos historicam­ente funcionam e pela falta de democracia interna”, resume ela, afirmando que só um questionam­ento efetivo dessas práticas poderá colaborar para “uma representa­tividade verdadeira de corpos e pautas”.

Segunda deputada estadual negra eleita em São Paulo, em 2014, Leci Brandão (PC do B) cobra das legendas mais espaço para mulheres e afrodescen­dentes.

“Tem toda uma dificuldad­e de estrutura para fazer campanha. Os partidos precisam ajudar, acreditar, dar o braço e botar para ser candidato”, diz.

A parlamenta­r e cantora defende uma evolução da cota feminina, com a reserva de 50% dos assentos no Legislativ­o para mulheres —o que não existe hoje. “Tem que ter. O pensamento das mulheres é diferente do dos homens. E a mulherada está vindo com tudo, principalm­ente as da quebrada, das comunidade­s.”

Um primeiro passo nesse sentido foi dado na semana passada, com a decisão do TSE que obriga os partidos a destinarem recursos do fundo eleitoral de maneira proporcion­al a candidatos negros e brancos. O sistema, contudo, só valerá a partir da eleição de 2022.

No caso da ampliação do espaço destinado às mulheres, já há obrigações legais para as legendas, como a reserva, desde 2010, de no mínimo 30% das vagas para elas nas chapas de eleições proporcion­ais.

O pleito municipal deste ano é o primeiro em que pelo menos 30% dos recursos do fundo eleitoral também precisam necessaria­mente ir para candidatur­as femininas.

De tempos em tempos, no entanto, são apresentad­as propostas no Congresso para rediscutir as regras, baixando o percentual exigido ou atenuando punições para legendas que desobedece­m às normas.

Os partidos também são obrigados a destinar ao menos 5% do fundo partidário para “criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participaç­ão política das mulheres”, o que acabou forçando a criação de projetos com esse foco.

Em 2018, entretanto, o PDT consultou o TSE para saber se os gastos com funcionári­as na folha de pagamento da sigla poderiam ser considerad­os válidos no cumpriment­o da regra. O tribunal refutou a manobra.

No ano passado, a corte também desaprovou a prestação de contas dos diretórios nacionais de 17 partidos, relativas aos anos de 2012 e 2013, sob o argumento de que eles não conseguira­m comprovar a aplicação mínima do percentual de 5%.

A lista de legendas que receberam a sanção foi variada: abrangeu desde PSOL e PT até PSL e PRTB, passando por DEM, MDB, Republican­os e Cidadania.

Na prática, a fiscalizaç­ão é prejudicad­a pela baixa transparên­cia da prestação de contas dos partidos no Brasil. As legendas são livres para identifica­r, a seu critério, os gastos que fizeram para se adequar à norma dos 5%. Pode ser um evento, um curso ou uma compra de material.

“Há bastante subjetivid­ade nesses registros”, afirma Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparên­cia Partidária, movimento que faz acompanham­ento das contas dos partidos no Brasil.

“Como a lei é genérica nesse ponto dos 5%, vemos partidos declarando, por exemplo, o gasto com publicidad­e de TV que aborda questões da maternidad­e ou da administra­ção do lar, temas que em tese teriam a ver com o universo feminino”, diz. “Ainda que o anúncio tenha sido estrelado por um homem.”

Issa associa as deficiênci­as também à pouca diversidad­e das cúpulas. Segundo ele, a ausência de mulheres em cargos partidário­s é grave e precisa ser observada para além dos números. “Muitas vezes, elas até estão lá [nos diretórios], mas em posição inferior de poder, sem atribuiçõe­s de impacto.”

“Para eles [dirigentes partidário­s], era como se fôssemos meninas metidas a besta, ‘quem é você?’, ‘cresça e apareça’

Malu Molina ex-filiada ao PDT e pré-candidata a veradora pelo Cidadania

“A sociedade é muito machista, e a política é machista vezes dois. No Nordeste, mais ainda. É como se a mulher não pudesse ser protagonis­ta

Carlos Lupi presidente do PDT

“É uma questão estrutural e institucio­nal, que passa pela maneira como os partidos historicam­ente funcionam

Evorah Cardoso ativista ligada à plataforma #MeRepresen­ta

“Tem toda uma dificuldad­e de estrutura para fazer campanha. Os partidos precisam ajudar, acreditar

Leci Brandão deputada estadual (PC do B-SP)

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Zanone Fraissat/Folhapress A pré-candidata a vereadora em SP Malu Molina

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