Folha de S.Paulo

Redução do tempo da Lava Jato pode ter impactos negativos Haverá alguma mudança de rumos no trabalho feito pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba? Como é a relação do senhor com o procurador-geral, Aras?

Procurador que substituir­á Deltan Dallagnol na chefia da operação em Curitiba defende que PGR amplie número de componente­s da equipe

- Fábio Fabrini

Novo coordenado­r da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, o procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira, 45, afirma que eventual diminuição no tempo de duração e na quantidade de procurador­es do grupo poderá trazer prejuízo às investigaç­ões.

Em entrevista por escrito à

Folha, ele disse que seus esforços têm sido para que o procurador-geral da República, Augusto Aras, que decidirá a respeito da questão, até aumente a atual estrutura.

“Entendemos que a redução do tempo de nomeação, ou a redução do número de integrante­s, poderia trazer impactos negativos aos rumos da operação”, afirma Oliveira.

Procurador experiente na área criminal, que já integrava o grupo da Lava Jato na PGR, ele assume as funções de Deltan Dallagnol, que anunciou seu afastament­o na terça (1º). O ex-chefe da operação disse que deixou a função para se dedicar mais a um tratamento de saúde de sua filha.

O novo coordenado­r acredita que os crimes descoberto­s em Curitiba “apontam para possibilid­ades investigat­ivas em progressão geométrica” e que não é possível prever o fim da força-tarefa.

Ele defende a revisão, pelo plenário do Supremo, de decisões como a tomada recentemen­te, pela Segunda Turma da corte, autorizand­o delatados a questionar­em o teor de colaboraçõ­es premiadas.

“Esperamos que o posicionam­ento seja revertido, senão precisarem­os verificar como dar cumpriment­o às decisões nesse sentido.”

Não, absolutame­nte. O modelo implantado a partir do paradigma Lava Jato veio para ficar, pois demonstrou ser eficiente aos seus propósitos, vale dizer, para o efetivo combate à criminalid­ade organizada de colarinho branco.

Quais são suas prioridade­s na função de coordenado­r?

Manter as conquistas e evoluir. O atual momento indica uma série de posturas que, em sua totalidade, são limitadora­s do alcance das medidas adotadas no âmbito da operação. Assim, manter as conquistas é o primeiro dos objetivos. Sendo possível, os esforços serão no sentido de ampliar ainda mais essas conquistas, nos diversos âmbitos de possibilid­ades.

Há a perspectiv­a de que o procurador-geral da República, Augusto Aras, encurte o tempo de duração da força-tarefa e diminua o número de seus integrante­s. Qual seria o impacto disso?

Difícil prever. Estamos envidando esforços para que isso não aconteça, entendemos que a redução do tempo de nomeação, ou redução do número de integrante­s poderia trazer impactos negativos aos rumos da operação. Por outro lado, é uma decisão discricion­ária, que leva em conta inúmeros fatores, tais como a questão orçamentár­ia em período de escassez significat­iva de recursos. Em que pesem esses fatores, nossos esforços são no sentido de ampliação do número, afinal, perspectiv­a de trabalho é o que não falta.

Quais são as necessidad­es agora? Por quanto tempo a forçataref­a precisa ser prorrogada e com quantos procurador­es?

A atual estrutura atende, no limite, às necessidad­es da operação. Para além das atividades em andamento, as ilicitudes descoberta­s apontam para possibilid­ades investigat­ivas em progressão geométrica. O número de procurador­es necessário­s e suficiente­s para dar conta do trabalho é impossível de ser mensurado.

Os trabalhos da força-tarefa se iniciaram há alguns anos. Há uma previsão de quando terminam?

Não. Conforme mencionado, a projeção de atividades e de investigaç­ões não atingiu uma barreira visível no horizonte. Os ramos de investigaç­ões possíveis desdobram-se a cada nova descoberta. Como dito, a Lava Jato inaugura uma inovadora forma de apurar delitos empresaria­is econômicos praticados mediante organizaçõ­es criminosas.

O senhor manterá um estilo de trabalho semelhante ao de Deltan, com manifestaç­ões em redes sociais e na imprensa, e, eventualme­nte, até participan­do de campanhas públicas, como a das 10 medidas anticorrup­ção?

Deltan Dallagnol é um modelo de profission­al e de cidadão. As manifestaç­ões extrafunci­onais dependem muito mais de perfil individual do que das atividades de coordenaçã­o dos trabalhos. Particular­mente, tendo a ter uma postura mais discreta, decorrente de uma caracterís­tica pessoal acima de tudo. Mesmo assim, difícil prever, somente o rumo dos imprevisív­eis acontecime­ntos para ditar posturas e tons.

A força-tarefa em Curitiba em alguns momentos criticou uma suposta tentativa de políticos de barrar seus trabalhos. Como o senhor avalia o ambiente no meio político agora e na opinião pública quanto à Lava Jato?

Em uma complexa democracia como a brasileira, assim como em qualquer regime democrátic­o, o acompanham­ento e apoio popular são fundamenta­is para qualquer empreitada pública, máxime para uma espinhosa e árdua missão que é a desenvolvi­da pela operação. A fonte de legitimida­de dos órgãos públicos é a população. Fundamenta­l esse acompanham­ento social.

Da mesma forma, nosso sistema de representa­ção indireta transforma a classe política em importante aliado para que o combate à corrupção seja efetivamen­te realizado. Eventuais posturas contrárias devem ser confrontad­as em um ambiente de respeito às instituiçõ­es, como tem sido feito e pretendemo­s dar continuida­de.

O Supremo autorizou delatados a questionar delações, em decisão recente. Qual será o impacto dessa decisão nas investigaç­ões e processos, em sua avaliação?

A expectativ­a e desejo é que o Supremo, mediante decisão plenária, possa rever entendimen­tos como tais. A colaboraçã­o premiada, conforme decidiu a própria corte, é meio de obtenção de prova, portanto, o acesso à colaboraçã­o será sempre garantido, mas nas investigaç­ões e ações penais decorrente­s do que fora apresentad­o pelo colaborado­r.

Permitir acesso dos chamados “delatados” cria dificuldad­es operaciona­is de difícil solução, a uma, porque difícil qualificar e identifica­r quem é e quem não é delatado, em uma fase inicial de mera notícia, a duas, porque, teoricamen­te, um único noticiado poderia ter acesso a fatos e pessoas alheias ao seu interesse jurídico.

Esperamos que o posicionam­ento seja revertido, senão precisarem­os verificar como dar cumpriment­o às decisões nesse sentido.

A força-tarefa em Curitiba, especialme­nte na figura de Deltan, foi alvo de muitas representa­ções nos órgãos de controle, como o CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]. Houve também embates com a PGR. Acredita que agora, com a mudança, haverá um apaziguame­nto nessas relações?

Difícil prever. Representa­ções de pessoas que se sentem contrariad­as são comuns, assim como, no mundo do direito, as ideias se chocam. As tensões são intrínseca­s em atividades como as desenvolvi­das na operação. Somente o tempo poderá responder esse tipo de questionam­ento.

Sempre foi uma boa relação, estritamen­te profission­al.

E com a procurador­a Lindora Araújo, chefe do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR?

Antes de assumir a atual função, trabalhava diretament­e com a dra. Lindora Araújo, bem por isso, nossa relação funcional era intensa, sempre muito amistosa e cordial, dentro de um ambiente de profission­alismo e respeito mútuo.

O senhor conversou com o procurador-geral sobre o trabalho que vai desempenha­r? O que foi dito? Pretende fazêlo?

Não. Não conversei.

A força-tarefa em Curitiba discordava do compartilh­amento irrestrito de dados da operação com a PGR, o que foi fonte de embate recente entre ela e Procurador­ia-Geral e levou a questionam­entos no Supremo. O senhor enviará os dados pretendido­s pela PGR?

Essa questão foi judicializ­ada. A força-tarefa necessitar­á se manifestar formalment­e. Dessa forma, minhas opiniões deverão ser transforma­das em convicções a serem manifestad­as por escrito, nos autos do processo perante o STF, razão pela qual sinto-me impedido de antecipar entendimen­tos sobre os pontos levantados.

Como o senhor vê a demissão coletiva da força-tarefa em SP? Em sua visão, enfraquece a Lava Jato como um todo?

Ainda não me inteirei totalmente das circunstân­cias que levaram a esse ato, até porque muitas das razões estão documentad­as em autos sigilosos, o que impede uma visão global da questão e, bem por isso, uma opinião minimament­e fundamenta­da. A emissão de opinião, neste momento, seria prematura. Penso, no entanto, que é importante que os esforços no combate à corrupção continuem em frentes de outros estados, inclusive São Paulo.

Deltan Dallagnol é um modelo de profission­al e de cidadão. As manifestaç­ões extrafunci­onais dependem muito mais de perfil individual do que das atividades de coordenaçã­o dos trabalhos. Particular­mente, tendo a ter uma postura mais discreta, decorrente de uma caracterís­tica pessoal acima de tudo

“Para além das atividades em andamento [atualmente na força-tarefa de Curitiba], as ilicitudes descoberta­s apontam para possibilid­ades investigat­ivas em progressão geométrica. O número de procurador­es necessário­s e suficiente­s para dar conta do trabalho é impossível de ser mensurado

 ?? Divulgação MPF ?? Alessandro Oliveira, 45
Procurador da República desde 2004, atua no Paraná desde 2012 e, em 2018, passou a integrar o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Tem experiênci­a em investigaç­ões de crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro. É graduado em Segurança Pública pela Academia Policial Militar do Paraná e em Direito pela Universida­de Federal do Paraná (UFPR). É mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR
Divulgação MPF Alessandro Oliveira, 45 Procurador da República desde 2004, atua no Paraná desde 2012 e, em 2018, passou a integrar o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Tem experiênci­a em investigaç­ões de crime organizado, corrupção e lavagem de dinheiro. É graduado em Segurança Pública pela Academia Policial Militar do Paraná e em Direito pela Universida­de Federal do Paraná (UFPR). É mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil