Folha de S.Paulo

Demissão na Lava Jato de SP mira briga interna e poupa Aras

Conflito com procurador­a teve ápice em tentativa de atrasar ação contra Serra

- José Marques Colaborou Marcelo Rocha, de Brasília

são paulo Apesar dos recentes atritos entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, e as forças-tarefas da Lava Jato, a debandada dos procurador­es da operação em São Paulo aconteceu devido a um conflito interno do Ministério Público Federal no estado.

Os oito procurador­es que trabalham nos casos ligados à operação afirmam que uma colega tem prejudicad­o os trabalhos do grupo, mesmo sem fazer parte da força-tarefa. Por esse motivo, eles pediram em ofício na terça (1º) para se desligarem da Lava Jato.

A decisão não foi tomada por impulso, mas ponderada nas últimas semanas. Com a renúncia coletiva, eles tentam abrir a possibilid­ade de que as investigaç­ões saiam do alcance dessa procurador­a e que, eventualme­nte, membros do grupo atual possam retomá-las mais à frente.

Em ofício ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, a Lava Jato paulista deixa claro que se coloca “a serviço de uma eventual nova formatação —não marcada pelos problemas ora expostos— que permita dar continuida­de aos trabalhos que até então vinham sendo conduzidos”.

“Ao fim e ao cabo, a força-tarefa ainda tinha muito a produzir, em frentes de investigaç­ão de enorme importânci­a, envolvendo, por exemplo, corrupção em grandes obras (como em diversas linhas do Metrô de SP e nos trechos Sul e Norte do Rodoanel), setores do sistema financeiro e milionário­s esquemas de lavagem de dinheiro, tanto no Brasil quanto no exterior”, disseram.

Os “problemas ora expostos” são atritos com Viviane de Oliveira Martinez, que passou em concurso interno em março e assumiu o setor responsáve­l pelas investigaç­ões da Lava Jato (chamado de 5º Ofício), antes ocupado pela ex-coordenado­ra da operação Anamara Osório, promovida para Brasília no ano passado.

Ao contrário de outros responsáve­is por setores do Ministério Público Federal que tocam a Lava Jato, como é o caso de Eduardo El Hage no Rio e até a semana passada de Deltan Dallagnol em Curitiba, Viviane não quis ser a coordenado­ra da força-tarefa —e nem fazer parte da equipe.

No entanto, ao assumir o posto, ela se tornou responsáve­l oficial pelas investigaç­ões, mesmo que não atuasse nelas diretament­e.

A força-tarefa diz que ela assumiu o 5º Ofício em março afirmando que iria continuar a trabalhar em seus outros casos e que não se interessou em saber quais as linhas investigat­ivas da operação.

Segundo o grupo, ela não participou de audiências, de reuniões com advogados, com delegados da Polícia Federal e com delatores.

Contudo, apesar dessa autonomia inicial para os oito integrante­s tocarem todas as ações da operação, nos meses seguintes, diz a força-tarefa, Viviane passou a interferir nos trabalhos.

Segundo eles, mesmo sem consultar os integrante­s da Lava Jato, Viviane começou a retirar investigaç­ões do 5º Ofício e enviar para serem sorteadas dentro da área criminal do Ministério Público Federal.

A primeira insatisfaç­ão pública de Viviane com a forçataref­a veio em maio, quando enviou ofício para a PGR questionan­do o volume de investigaç­ões da Lava Jato que eram encaminhad­as para o setor.

“A FTLJ-SP [força-tarefa], se continuar vinculada ao 5º Ofício Criminal da PRSP [Procurador­ia da República], fará com que o acervo cresça em progressão geométrica e, consideran­do-se que ele também cumula o recebiment­o normal da distribuiç­ão da PRSP, daqui a pouco minha atuação estará inviabiliz­ada”, disse.

“Estou me responsabi­lizando pessoalmen­te pela atuação de mais oito colegas, cujo ritmo de trabalho é difícil acompanhar, dificuldad­e essa que é agravada pelo nível de sigilo que se impõe à atuação deles”, afirmou Viviane.

O ápice dos problemas, dizem eles, foi quando Viviane tentou atrasar a investigaç­ão que culminou na Operação Revoada, em 3 de julho, contra o ex-governador e atual senador José Serra (PSDB-SP), à espera da criação da Unac (Unidade Nacional Anticorrup­ção, modelo proposto pela PGR que substituir­ia as forças-tarefas).

“A procurador­a Viviane considerou razoável postar por quase dois meses o protocolo de pedidos investigat­órios pertinente­s a uma operação de maior relevo (...) apenas na expectativ­a (...) de uma decisão da cúpula da instituiçã­o fazer com que este caso deixasse de ser de sua atribuição”, afirmou a força-tarefa.

O atrito levou ao corte de toda a comunicaçã­o no último mês entre a força-tarefa e Viviane. Com o anúncio da saída dos oito procurador­es da Lava Jato, internamen­te tem se discutido algumas possibilid­ades para o destino das investigaç­ões.

A primeira seria uma troca –chamada “permuta”— entre Viviane e um procurador responsáve­l por outro ofício.

Seria um processo parecido com o que aconteceu com Deltan Dallagnol e Alessandro Oliveira, o novo coordenado­r da Lava Jato de Curitiba. Em São Paulo, isso foi tentado, mas sem sucesso.

A segunda possibilid­ade seria que a Corregedor­ia do Ministério Público Federal determinas­se a redistribu­ição das investigaç­ões da Lava Jato para outro ofício.

Há, ainda, a hipótese de que Viviane proponha a criação de uma nova força-tarefa, com outros integrante­s, após a saída dos membros atuais.

Nesta quinta (3), o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, solicitou de Viviane, da chefia do MPF-SP e da Corregedor­ia que adotem providênci­as que impeçam a descontinu­idade dos trabalhos, “até mesmo pelo risco de prescrição, que é permanente em matéria penal”.

Apesar da debandada dos procurador­es, uma denúncia contra Paulo Vieira de Souza, o suspeito de ser operador do PSDB conhecido como Paulo Preto, divulgada nesta quinta tinha a assinatura de Viviane.

A reportagem procurou Viviane Martinez para comentar as menções a ela feitas pela força-tarefa da Lava Jato, mas ela não se manifestou.

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3.jul.20/Reprodução TV Globo PF faz buscas em operação da força-tarefa paulista contra o senador José Serra, em julho
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