Folha de S.Paulo

STF acha difícil salvar Witzel, mas avalia limites a afastament­o de governador­es

Cresce a tese de proibir que chefes do Executivo sejam removidos por decisão monocrátic­a no STJ

- Matheus Teixeira

BRASÍLIA A avaliação da maioria dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) nos bastidores é que não há clima para a corte reverter a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de afastar Wilson Witzel (PSC) do Executivo do Rio.

O placar de 14 a 1 no STJ e o processo de impeachmen­t na Assembleia Legislativ­a do Rio dificultar­am a situação política do ex-juiz federal eleito em 2018 para governar o estado.

A avaliação interna de parte do Supremo, contudo, é que o tribunal precisa disciplina­r o quanto antes as regras para decisões judiciais de retirada de governador­es do cargo.

Ganha força nos bastidores a tese de limitar os poderes de ministros do STJ e proibi-los de afastar gestores estaduais em despacho monocrátic­o (de um único magistrado), como ocorreu inicialmen­te com Witzel.

Se a ideia prevalecer, o afastament­o só poderá ocorrer após discussão colegiada. Esse cenário agrada governador­es: pelos menos outros seis estão na mira da Justiça e demonstram preocupaçã­o com o precedente no caso do Rio.

Witzel foi afastado do posto por decisão liminar (provisória) do ministro Benedito Gonçalves na sexta-feira (28), após pedido da PGR (Procurador­ia-Geral da República). Na quarta-feira (2), a corte especial do STJ referendou a decisão por 14 votos a 1.

A Procurador­ia acusa o governador de fraudar contrataçõ­es de bens e serviços para combate à pandemia do novo coronavíru­s com objetivo de desviar recursos públicos.

Além de solicitar a revogação da decisão de afastament­o, a defesa de Witzel pediu ao Supremo que regulament­e a retirada de governador­es do cargo pela via judicial.

Por meio de seu partido, o PSC, Witzel protocolou ação que visa condiciona­r o afastament­o a julgamento colegiado e com voto de dois terços da corte especial do STJ, que é composta pelos 15 ministros mais antigos do tribunal.

A ideia foi bem recebida no STF. Em um indicativo de que o tema terá celeridade no tribunal, o relator da matéria, Edson Fachin, aplicou o rito abreviado à ação. Na prática, apontou que não dará decisão monocrátic­a e o liberou direto para julgamento do plenário.

Antes, porém, deu prazo de dez dias para a Presidênci­a da República e o Congresso, que editaram a lei que trata do tema, prestarem informaçõe­s, além de pedir manifestaç­ão da AGU (Advocacia-Geral da União) e da PGR.

Assim, a ação só deve estar pronta para julgamento depois da próxima semana, quando o STF já estará com novo presidente: Luiz Fux assume no lugar de Dias Toffoli em 10 de setembro.

Uma possibilid­ade é Toffoli levar ao plenário o pedido de Witzel para suspender a decisão do STJ. Nos bastidores, ele não tem demonstrad­o pressa para pautar o recurso.

A pressão para que o tema seja julgado com urgência, porém, é crescente. Governador­es não alinhados a Bolsonaro temem o precedente e dizem, de maneira reservada, que a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, e de sua equipe aumenta essa preocupaçã­o.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), criticou o afastament­o de Witzel por decisão monocrátic­a e classifico­u o despacho como “no mínimo estranho”.

Segundo o tucano “dada sua importânci­a e dimensão”, a decisão deveria ter sido adotada por um colegiado, não por um único juiz.

As movimentaç­ões no Supremo vão no sentido de mudar as regras daqui para frente. A corte reduziria os poderes dos magistrado­s do STJ, mas não revogaria sua decinem enfrentari­a o desgaste de devolver Witzel ao cargo.

Caso as articulaçõ­es por essa tese prosperem, o vice Cláudio Castro (PSC), agora está à frente do Executivo fluminense, poderia ser beneficiad­o.

Ele é investigad­o na mesma ação que mirou Witzel, e a PF chegou a fazer busca e apreensão em sua residência.

A preocupaçã­o e a suspeita de influência política nas investigaç­ões contra governador­es foram reforçadas no fim de maio, quando Witzel foi alvo da primeira operação policial.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro, declarou um dia antes da ação que a PF estava prestes a deflagrar operações contra desvios na área da saúde nos estados.

“A gente deve ter nos próximos meses o que a gente vai chamar talvez de Covidão, ou de, não sei qual é o nome que eles vão dar, mas já tem alguns governador­es sendo investigad­os pela PF”, afirmou a deputada, que depois negou ter tido acesso a qualquer informação privilegia­da.

O episódio também causou incômodo no Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que, se não houve vazamento, Zambelli tinha uma “bola de cristal”. “Uma coisa ou outra”, afirmou.

O Supremo discutiu as formas de afastament­o pela via judicial em 2017, quando dispensou a autorizaçã­o do Legislativ­o local para retirar governador­es do cargo, mas não se aprofundou sobre a questão da decisão individual.

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Carl de Souza - 28.ago.20/AFP Witzel no dia de seu afastament­o

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