Folha de S.Paulo

Portugal apura repasse da Odebrecht em 2015

Promotoria investiga se ex-premiê Pedro Passos Coelho foi beneficiad­o; construtor­a diz colaborar com autoridade­s

- Giuliana Miranda

O Ministério Público de Portugal investiga se a Odebrecht realizou, de forma não oficial, um repasse de cerca de 880 mil euros (R$ 5,8 milhões), para a campanha eleitoral do ex-primeiro-ministro luso Pedro Passos Coelho (PSD, de centro-direita), em 2015.

As autoridade­s investigam se correspond­e ao antigo premiê o codinome “Príncipe”, que surge em uma das famosas planilhas de repasses da construtor­a. A suspeita é que o publicitár­io brasileiro André Gustavo Vieira, que trabalhou para o Partido Social-Democrata, tenha sido pago pela Odebrecht por serviços prestados na campanha de 2015.

André Gustavo foi o responsáve­l pelas campanhas de Pedro Passos Coelho em 2011, quando este se elegeu primeiro-ministro, e em 2015, quando seu partido foi o mais votado, mas um acordo de legendas de esquerda (apelidado de “Geringonça”), garantiu o cargo de chefe do Executivo ao socialista António Costa — que continua no cargo.

O publicitár­io foi condenado por Sergio Moro no âmbito da Lava Jato, mas ganhou o benefício de prisão domiciliar por ter dado informaçõe­s à Justiça sobre Ademir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras.

Pela prestação de contas oficial da campanha, auditada pelo Tribunal Constituci­onal, foram pagos 868.943 euros (R$ 5,7 milhões) à Arcos Propaganda, empresa de André Gustavo Vieira.

A coincidênc­ia entre este valor, a data do repasse e o montante que aparece na suposta planilha de propinas da Odebrecht acendeu o alerta do Ministério Público brasileiro, que enviou o material para as autoridade­s portuguesa­s.

A investigaç­ão existe desde 2017, mas teve mais detalhes tornados públicos após ser anexada a um outro processo de denúncia de corrupção, desta vez na EDP, companhia do setor de energia que é a maior empresa de Portugal.

Em julho, o CEO da EDP, António Mexia, foi obrigado pela Justiça a se afastar do cargo. Para não ficar preso, pagou uma fiança de 2 milhões de euros (R$ 13 milhões).

O repasse supostamen­te feito para o político português teria a ver com a obra da barragem de Baixo Sabor, da EDP, construída por um consórcio com participaç­ão da Odebrecht e da empreiteir­a portuguesa Lena. O material inicial da investigaç­ão foi produzido no âmbito da Lava Jato no Brasil, a quem as autoridade­s portuguesa­s pediram auxílio nas investigaç­ões.

No documento de cooperação, revelado pela revista portuguesa Sábado, os procurador­es brasileiro­s escrevem que o repasse referente ao codinome “Príncipe” era para Portugal, com indicação que vincularia a transferên­cia à obra de Baixo Sabor.

O dinheiro teria sido entregue, em dinheiro, em uma visita de André Gustavo à sede da Odebrecht em São Paulo.

Para os procurador­es, o publicitár­io recebeu 870 mil euros “por dentro” (na contabilid­ade oficial da campanha) e mais 880 mil euros por fora, por repasse da Odebrecht.

A linha temporal da obra da barragem, no entanto, não bate exatamente com o repasse.

O acordo para a construção foi assinado em 2007, sob o governo do socialista José Sócrates, que responde a processo por corrupção no âmbito da operação Marquês, apelidada de Lava Jato portuguesa.

A construção só começou efetivamen­te em 2011. Localizada na região de Trás-os-Montes, no norte de Portugal, a barragem foi motivo de polêmica ambiental e saiu mais cara do que o previsto.

Procurado pela Folha ,o Ministério Público Federal afirmou que não comenta investigaç­ões em andamento.

Em nota, André Gustavo disse desconhece­r “a citada ‘carta rogatória’ ou qualquer investigaç­ão que envolva meu nome em Portugal”. Também afirma que jamais praticou “ilícito de qualquer natureza na relação profission­al com o PSD Partido Social-Democrata”.

A Odebrecht afirmou que está empenhada em colaborar com as autoridade­s.

Por meio de nota, a EDP disse que “não comenta investigaç­ões ou processos judiciais em curso” e que “não cometeu qualquer ato ilícito ou irregulari­dade no projeto de construção da barragem do Baixo Sabor.”

A assessoria do Partido Social-Democrata, do ex-premiê Pedro Passos Coelho, não respondeu aos pedidos de esclarecim­ento da reportagem.

 ?? Patricia de Melo Moreira - 10.nov.2015/AFP ?? O ex-premiê português Pedro Passos Coelho
Patricia de Melo Moreira - 10.nov.2015/AFP O ex-premiê português Pedro Passos Coelho

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil