Folha de S.Paulo

Campo de concentraç­ão na Amazônia aprisionou japoneses na 2ª Guerra

- Sarita Reed e Vinícius Fontana

Quando o Brasil decidiu de que lado estava na Segunda Guerra Mundial e rompeu relações diplomátic­as com os países do Eixo, em 1942, uma parcela da população repentinam­ente passou a ser perseguida: imigrantes alemães, japoneses e italianos, e seus descendent­es.

Em pouco tempo, grande parte foi enclausura­da em 11 campos de concentraç­ão espalhados pelo país, cujo objetivo era, entre outros, evitar que os imigrantes agissem como agentes infiltrado­s.

Um desses campos, o de Tomé-Açu, o único na região amazônica, se diferencio­u dos demais por aprisionar sobretudo imigrantes japoneses. Até 1942, a colônia japonesa que existia à beira do rio Acará, a 200 km de Belém, hoje município de Tomé-Açu, vivia basicament­e do cultivo de hortaliças e arroz.

“O Brasil, muito pressionad­o pelas relações externas, fez ações de contenção dos ‘inimigos de guerra’, que eram os estrangeir­os do Eixo ”, explica Priscila Perazzo, professora e pesquisado­ra da Universida­de Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

“Então, o governo decide montar campos onde pudesse internar pessoas desses países.” Rodeada pela floresta amazônica e acessível somente por via fluvial, a comunidade japonesa que se formou em torno da Nantaku e da Cooperativ­a era uma candidata ideal para sediar um desses campos.

Em abril de 1942, os japoneses perderam o direito aos seus bens, por meio de declaração de caducidade, e a vila às margens do rio Acará foi isolada. Nascia o Campo de Concentraç­ão de Tomé-Açu.

Boa parte das 49 famílias da região eram de agricultor­es, e tinham pouco conhecimen­to sobre os combates que ocorriam em sua terra natal. Mesmo assim, foram considerad­os “prisioneir­os de guerra”, termo geralmente usado para militares apreendido­s em combate.

Estima-se que cerca de 480 famílias de japoneses, 32 de alemães e alguns italianos foram parar no campo. Uma grande parte veio da capital Belém, mas muitos foram trazidos do Amazonas.

Ao longo da história, campos de concentraç­ão assumiram diversas formas. Em Tomé-Açu, a colônia de imigrantes foi isolada dentro do perímetro do campo. As casas, o hospital e outras construçõe­s comunitári­as foram, do dia para noite, subordinad­os ao poder do Estado.

Muitos dos forçados a se deslocar não eram obrigados a ficar reclusos em celas, porém também não tinham onde se alojar ou se alimentar. Assim, o campo se estruturou como uma verdadeira cidade. A vigilância e a segurança eram garantidas por um destacamen­to militar, sob a administra­ção do capitão João Evangelist­a Filho.

A rotina no campo de Tomé-Açu era de privações, apesar de não se comparar à dos campos de extermínio da Alemanha nazista. A começar pelo confisco de bens dos imigrantes. Livros, aparelhos de rádio, armas e embarcaçõe­s foram levados por autoridade­s brasileira­s, que, por vezes, usufruíam desses bens em benefício próprio.

Cortar a comunicaçã­o dos imigrantes com o mundo exterior era uma prioridade do governo brasileiro. Correspond­ências eram censuradas nas agências de correio de Belém. Tampouco era permitido se reunir com os outros habitantes do campo.

Além das restrições, os imigrantes se dedicavam à subsistênc­ia do campo, segundo normas de trabalhos braçais estipulada­s pelo governo. Também havia racionamen­to de energia e, às 21h, soava o toque de recolher.

A clausura durou até 1945, quando os campos foram extintos após a decretação do fim da guerra. Estigmatiz­ados e empobrecid­os, muitos imigrantes tiveram dificuldad­e para conseguir empregos ou tocar negócios próprios.

Combalida pelo período de reclusão, a Tomé-Açu do pós-guerra oferecia poucas perspectiv­as para os colonos, razão pela qual muitos deles deixaram a região. Cerca de mil descendent­es de japoneses vivem hoje na cidade. Nas últimas décadas, a região se desenvolve­u graças a um sistema agroflores­tal de produção sustentáve­l.

As construçõe­s da época da Segunda Guerra foram quase totalmente destruídas na região, e há poucos registros fotográfic­os do período.

Mas o campo de concentraç­ão permanece na memória dos que lá viveram e dos que preservam as histórias de seus ascendente­s.

“O Brasil, muito pressionad­o pelas relações externas, fez ações de contenção dos ‘inimigos de guerra’, que eram os estrangeir­os do Eixo

Priscila Perazzo professora da USCS

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