Folha de S.Paulo

Relançamen­to de disco dos Stones pouco vale além da balada ‘Angie’

Edição de luxo de ‘Goats Head Soup’ surpreende mais por incluir ‘Scarlet’, que tem colaboraçã­o de Jimmy Page

- Ivan Finotti

MÚSICA Goats Head Soup ★★★ Artista: Rolling Stones. Lançamento original: 1973. Gravadora: Universal. Quanto: grátis nas plataforma­s de streaming; caixa física por £ 100 (R$ 700) em therolling­stonesshop.co.uk

Difícil dizer que um disco dos Rolling Stones nos anos 1960 ou nos anos 1970 seja ruim. No caso de “Goats Head Soup”, lançado em 1973 e relançado agora numa caixa de luxo, daremos três estrelas. Isso o define como bom, em contraste com muito bom —quatro estrelas— ou ótimo —cinco— que essa banda geralmente merece.

Primeiro, as qualidades. O single deste álbum, a balada “Angie”, é uma das melhores já feitas pelos Stones e até hoje é uma das favoritas do público. A lenda diz que Angie se referia à modelo Angela Bowie. Sim, a mulher do homem. Outra lenda, no entanto, conta que Angela pegou Jagger na cama com seu marido, e não que Bowie tenha flagrado a mulher com o stone.

Quando questionad­o, Keith Richards lembrou que sua filha havia nascido e sido registrada como Dandelion Angel Richards e que “Angie, Angie” era só um nome que ele cantava de vez em quando.

Mas à parte “Angie”, nada mais nesse álbum ficou para a história. O que não significa que ele seja todo ruim. Há ainda algumas melodias bastante boas. “A Hundred Years Ago” é uma delas, com uma segunda parte vocal de Jagger marcante, além das guitarras e um órgão que valem a pena.

“Doo Doo Doo Doo Doo (Heartbreak­er)” também é ótima. Aqui, o que chama a atenção é a junção da melodia cantada por Jagger com as guitarras e o sax no refrão.

Os próprios Stones apostaram em três outras, todas rocks básicos. São elas —“Dancing with Mr. D”, “Silver Train” e “Star Star”. A última foi a que envelheceu melhor.

As outras canções não se sustentam hoje, mesmo que o disco tenha sido bem recebido pela crítica à época. Jagger disse em entrevista que “não queria mais um punhado de canções de rock.” E aqui chegamos ao cerne da questão. Os Stones vinham de seus quatro melhores discos, todos eles preenchido­s com legítimos punhados de canções de rock.

“Beggar’s Banquet”, de 1968, “Let It Bleed”, de 1969, “Sticky Fingers”, de 1971, e “Exile on Main Street”, de 1972, são imbatíveis, com uma sucessão de hits e canções que estão na história da música rock.

Em contraste, “Goats Head Soup” vinha mais “variado”, “rico” e “agradável”. Só que a soma das partes pareceu artificial. O crítico Stephen Thomas Erlewine, do site All Music Guide, foi um dos que explicou melhor como o disco passou a ser visto anos depois.

“Desistindo do que foi provavelme­nte o melhor veio de rock da história, os Stones escorregam para a decadência e para os excessos da fama. Aqui é onde a imagem da banda começou a eclipsar seus feitos, com Mick ascendendo ao jet-set internacio­nal e Keith lentamente se afundando nas drogas, sendo possível ouvir a ambos se movendo nessas duas direções, às vezes na mesma canção.”

A caixa de luxo que está sendo lançada guarda mimos aos fãs, sendo que o principal deles são três músicas inéditas. Elas abrem o segundo CD ou LP, de demos e curiosidad­es (há um terceiro, com material ao vivo daquele ano).

“Criss Cross” não fede nem cheira. “All the Rage” é boa. O vocal esganiçado de Jagger é surpreende­nte e a guitarra da abertura se aproxima bem da que estaria em “Little T&A”, lançada em 1981 no disco “Tattoo You”. É um típico rock alegre, cheio de solos para cima, que poderia ter figurado sem fazer feio em qualquer álbum dos Stones desde então.

E então temos a surpreende­nte “Scarlet”, lançada como single há algumas semanas. A guitarra que abre a música não parece vir da lavra stoniana, é muito rock pesado, quase heavy metal. E não vem mesmo —temos aqui a colaboraçã­o de Jimmy Page, o histórico guitarrist­a do Led Zeppelin.

A obra tem um grande refrão de Jagger, melódico e que fica na cabeça. Page e Richards dizem, num vídeo recém-publicado, que o clima era mais de brincadeir­a do que de gravar uma canção pronta.

A gravação, na verdade aconteceu um ano depois de “Goats Head Soup”, no fim de 1974, depois de os Stones lançarem um novo álbum, “It’s Only Rock’n Roll”. A banda de Page havia lançado “Houses of the Holy” em 1973 e era um sucesso devido a “Stairway to Heaven”, do álbum anterior.

Fica difícil, portanto, entender por que os caras não trabalhara­m um pouco mais para que “Scarlet” se tornasse um grande compacto em meados dos anos 1970. Pelo menos está saindo agora.

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Aubrey Powell/Divulgação O vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger, em retrato feito em 1973

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