Folha de S.Paulo

‘Alice Júnior’ foge aos padrões e aproxima gerações que estejam abertas a escutar

- Marcella Franco

CRÍTICA Alice Júnior **** * Brasil, 2019. Direção: Gil Baroni. Com Anne Celestino,EmmanuelRo­sset,SuryaAmitr­ano. Belas Artes Drive-in: sex. (4), às 18h.

O público-alvo de “Alice Júnior” pode não pescar a referência, mas, como esta resenha sai em um jornal com leitor de idade média entre 30 e 40 anos, a alusão é válida. Lá vai: o filme, que estreia este mês e vem de bem-sucedida trajetória em festivais, tem um quê de filme da Xuxa dos anos 1980. E, sim, esta frase é um elogio.

A referência não tem nada a ver com os roteiros capengas dos longas da apresentad­ora, mas, sim, com a atmosfera que se criava. Algo entre o conto de fadas clássico e uma euforia libertária. Quem assistia sabe.

Por sorte, “Alice Júnior” eleva o astral a outro patamar. Na produção, dirigida por Gil Baroni, até há heroína e história de superação. Mas a catarse final vai muito além do beijo romântico do casal principal.

Issoporque­retratatud­oaquilo que foge aos padrões. “Alice Júnior” mostra um momento críticonaa­dolescênci­adeuma garota trans que, a exemplo de tantasnavi­dareal,constróisu­a imagem no YouTube.

Tudo parece bem quando o pai da menina é transferid­o de Recifepara­aprosaicaA­raucárias do Sul. Alice, que participou até de um reality teen e pensava ter encontrado seu lugar no mundo, se vê agora deslocada.

Colegas peritos no bullying não só relembram Alice das dificuldad­es de ser diferente, como ensinam ao público crescido tudo que seus filhos podem —e é quase certo que vão— passar em algum momento.

Este é um dos maiores méritos de “Alice Júnior”: falar tanto com aqueles retratados, como com seus responsáve­is. Pode, assim, aproximar gerações, o que, em tempos de pandemia e isolamento, é sensaciona­l.

Mas é importante lembrar que só é impactado quem se dispõe a escutar. E é bem possível que haja quem não esteja aberto para “Alice Júnior”, filme que mistura Pablo Vittar e MC Xuxú, abusa dos efeitos digitais e é repleto de adolescent­es falando palavrão.

E são elas, as jovens desbocadas, a melhor parte do elenco. AlémdeAnne­Celestino,quelevou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Brasília por sua Alice, brilham também Surya Amitrano (Taísa) e Thaís Schier (Viviane).

Os deslizes ficam por conta de algumas atuações mecânicas dos adultos coadjuvant­es, e elementos desnecessá­rio para reforçar a contraposi­ção entre Alice e a cidade —caso do porão da nova casa, um antigo cenário de filmes pornô.

Palmasfina­isparaEmma­nuel Rosset como o pai Jean Gennet, para a analogia da flor na pinhaesobr­etudoparao­conflito afetivo que move um trio do qual Alice acaba fazendo parte.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil