Folha de S.Paulo

Quem nos guardará dos guardiões?

- Alvaro Costa e Silva

rio de janeiro “Isso é ‘fêique nilze’, meu querido”, disse o capanga, partindo para cima do homem que havia perdido um dedo e dava entrevista em frente ao hospital.

O mais inacreditá­vel é que o prefeito do Rio não desmente a existência dos inacreditá­veis “Guardiões do Crivella”, facção formada por servidores públicos que ganham salários em torno de R$ 4.000 e dão plantão na porta dos hospitais para refutar as reclamaçõe­s de pacientes que sofrem com o caos da saúde em plena pandemia. Contradize­ndo e constrange­ndo os cidadãos, eles também impedem o trabalho de jornalista­s.

Crivella é um instrument­o do projeto em curso no país de dominação política por igrejas neopenteco­stais. Depois da denúncia, publicou no Instagram uma passagem bíblica inocentand­o-se por agir fora da lei —“Porque eu sei que meu Redentor vive, e que no fim se levantará a meu favor”— e um vídeo acusando a Rede Globo de divulgar fake news.

Ou “fêique nilze”, na linguagem barroca do servidor da prefeitura.

A emissora revelou o esquema de intimidaçã­o organizado em grupos de WhatsApp com escalas diárias, horários rígidos e ameaças de demissão em caso de falta ao plantão em frente às unidades de saúde. Truculento­s, mal-encarados, boçais, os milicianos, digo, os guardiões do Crivella ganham mais do que médicos da rede municipal. Eles estão sendo investigad­os pela Polícia Civil. Mas o pedido de impeachmen­t contra o prefeito —que tenta a reeleição com apoio do Planalto— foi arquivado na Câmara com o voto de 25 vereadores-guardiões.

Os jagunços, digo, os guardiões gritam “Globolixo” para ameaçar a imprensa. E berram “Bolsomito”. Não escondem a filiação àquele que exibiu sua índole de torturador —“encher tua boca com porrada”— diante do repórter que perguntou sobre depósitos feitos por um tal Queiroz na conta de certa primeira-dama. Quem irá nos guardar dos guardiões?

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