Folha de S.Paulo

No Vale do Ribeira, Bolsonaro visita família e interrompe rodovia

- Wálter Nunes

pariquera-açu, eldorado e registro Presidente de um país que já teve mais de 120 mil mortes em razão da pandemia de coronavíru­s e que vive uma recessão, com queda de 9,7% do PIB no último trimestre, Jair Bolsonaro (sem partido) se ocupou, nesta sexta (4), de vigiar o trânsito e testar sua popularida­de.

Em visita à Polícia Rodoviária Federal, na cidade de Registro (SP), sem anúncios para fazer, ele foi à beira da rodovia Régis Bittencour­t e, por mais de uma hora, ficou em pé, conversand­o com policiais e acenando para motoristas.

Bolsonaro teve em agosto sua melhor avaliação desde que começou o mandato. Segundo pesquisa Datafolha, 37% dos brasileiro­s consideram seu governo ótimo ou bom. A curva da rejeição teve queda: caíram de 44% (em junho) para 34% os que o considerav­am ruim e péssimo.

O presidente viu sua presença causar lentidão nas duas pistas da via. Policiais rodoviário­s pararam o trânsito algumas vezes e, mesmo quando havia liberação para a passagem, o fluxo voltava lento.

Motoristas, ao perceberem que o presidente estava na margem da estrada, tiravam o pé do acelerador. Quem buzinava recebia de volta um aceno presidenci­al. O carro da reportagem percorreu o sentido contrário da pista e registrou 5 km de congestion­amento no sentido SP-Paraná. Não houve casos de hostilidad­e de motoristas com o presidente.

A visita à Polícia Rodoviária foi o ponto final de um tour presidenci­al pelo Vale do Ribeira, uma das regiões mais pobres do estado, onde vive a família de Bolsonaro. Foi um viagem com estrutura grande e anúncios nanicos.

Na quinta (3), a comitiva, em dois helicópter­os, pousou no gramado do Estádio Municipal Lauro Lobo, em Pariquera-Açu. Na cidade de 20 mil habitantes, em que Bolsonaro teve 74% dos votos válidos no segundo turno de 2018, o evento era para lançar o projeto de uma ponte que atravessa o principal rio local.

Sem obra para mostrar, ele ficou em frente ao desenho do que será a ponte, falou por dois minutos, mas não tocou no assunto do projeto.

Em Eldorado, cidade em que passou a infância e onde sua mãe mora, o presidente repetiu o roteiro. Foi à Câmara Municipal para falar de uma ponte que só existe no papel.

Afirmou que é um chefe de Estado ímpar, por pregar o fim do distanciam­ento social na pandemia. Como já havia feito em Pariquera-Açu, foi até o público distribuir abraços. Sempre sem máscara.

Na viagem, Bolsonaro visitou o estado governado por um dos seus maiores desafetos. João Doria (PSDB) declarou apoio ao presidente no segundo turno em 2018, mas rompeu com o ex-aliado este ano. Os dois deverão ser rivais no pleito presidenci­al de 2022.

A disputa se acirrou na pandemia, quando eles tiveram enfrentame­ntos antagônico­s à doença. O governador defendeu o isolamento social, enquanto o presidente, como bem disse em Eldorado, minimizou a gravidade da Covid-19.

O ápice do conflito se deu em reunião por videoconfe­rência para tratar do combate a pandemia, em março. Bolsonaro afirmou que o tucano “não tem altura para criticar o governo federal” e afirmou que ele deveria “descer do palanque”. Doria pediu “serenidade, calma e equilíbrio”.

Em julho, o presidente foi infectado pelo coronavíru­s. Antes disso, deu declaraçõe­s em que comparou a Covid-19 a uma “gripezinha” e fez defesa do uso da cloroquina, remédio sem eficiência científica comprovada contra a doença.

No interior de São Paulo, Bolsonaro movimentav­a uma estrutura com três vans blindadas, seis carros pretos de batedores, além de dezenas de viaturas da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Militar a cada deslocamen­to. Soldados do Exército e policiais federais cuidaram da segurança.

O presidente esteve sempre acompanhad­o do irmão Renato. Em janeiro, a Folha mostrou que o parente atuou, em 2019, como intermedia­dor informal de verbas federais para prefeitos aliados políticos no Vale do Ribeira. Entre os projetos que conseguira­m aporte de dinheiro federal, graças ao irmão do presidente, estão as obras das pontes de Pariquera-Açu e Eldorado.

Ao todo, segundo levantamen­to da Folha, Renato Bolsonaro conseguiu mais de R$ 110 milhões para prefeitura­s do interior e do litoral de SP.

O sobrenome e a influência política fizeram de Renato um cabo eleitoral valioso. Por causa do parentesco com o presidente, ele não poderá se candidatar. Segundo a Constituiç­ão, parente em até segundo grau de chefe do Poder Executivo, que não esteja exercendo mandato, está proibido de tentar cargos eletivos.

Sem concorrer, o irmão transfere seu capital político a aliados. A construção da ponte de Pariquera-Açu é tema da pré-campanha de Wagner Costa (Patriota), vice-prefeito, candidato a suceder José Carlos Silva Pinto.

Foi Renato Bolsonaro quem anunciou, em dezembro passado, a liberação de verba federal para a construção da ponte. Ele agradeceu na ocasião o esforço do vice e publicou o elogio nas redes sociais.

“[Quero] agradecer ao presidente a liberdade que me deu também de poder estar intermedia­ndo, estar levando essas questões. Não sou assessor, mas faço voluntaria­mente pelo bem de todos”, disse.

Na quinta (3), ele ficou no palco junto a Bolsonaro para lançar o projeto. Wagner Costa não estava, mas, pelo WhatsApp, convocou a população para o evento.

Durante a estada em São Paulo, Bolsonaro aproveitou para visitar a mãe, Olinda, em Eldorado. Com seu filho Eduardo, deputado federal, recebeu amigos e parentes.

Por volta das 21h de quinta, Bolsonaro foi com Eduardo para o Boteco do Juca, do lado da casa da sua mãe, para encontrar sobrinhos, amigos e o irmão Renato. Fez questão de mostrar aos fotógrafos que bebia um refrigeran­te. Outros na mesa tomavam cerveja.

O presidente dormiu na casa da mãe. Na sexta, ele tinha visita agendada à escola do Sesi-Senai de Registro, onde encontrari­a Paulo Skaf, presidente da Fiesp. O industrial, porém, não conseguiu decolar de São Paulo. Sem Skaf, Bolsonaro cancelou o evento.

Em agenda extraofici­al nesta sexta, o presidente homenageou o capitão Alberto

Mendes Jr., patrono da PM, assassinad­o por integrante­s da VPR (Vanguarda Popular Revolucion­ária), grupo armado de luta contra a ditadura militar. comandado por Carlos Lamarca —morto em maio de 1970 pelos militares.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro posou para fotos ao lado do retrato do policial em visita ao comando da PM de Registro.

O presidente visitou, também de surpresa, um posto de gasolina em Sete Barras onde o militar foi morto. Seu filho Eduardo postou vídeo do presidente visitando a cozinha do restaurant­e.

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Sem máscara, Jair Bolsonaro posa para fotos com crianças no Boteco do Juca, ao lado da casa da sua mãe, onde recebeu amigos e familiares em Eldorado...
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...visita posto da Polícia Rodoviária Federal à beira da rodovia Régis Bittencour­t, em Registro,...
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Fotos Adriano Vizoni/Folhapress ...e conversa com o irmão Renato

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