Folha de S.Paulo

Toffoli conclui gestão marcada por polêmicas

Ministro conclui gestão marcada por inquérito das fake news e crises entre Poderes; Fux assume dia 10

- Matheus Teixeira e Julia Chaib

O ministro Dias Toffoli encerra no dia 10 o mandato de presidente do STF, marcado pelo inquérito das fake news e choques entre Poderes. Em dois anos, impôs freios à Lava Jato e foi acusado de tomar medidas arbitrária­s.

Dois anos depois de tomar posse como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Dias Toffoli encerra o mandato no comando da corte em 10 de setembro com uma gestão marcada por polêmicas.

No cargo, Toffoli abriu o inquérito das fake news, impôs reveses à Lava Jato, pautou o julgamento que levou à soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e se aproximou do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

De um lado, foi criticado por ter adotado medidas que procurador­es e integrante­s do Judiciário considerar­am arbitrária­s.

A instauraçã­o de investigaç­ão sobre disseminaç­ão de notícias falsas contra ministros do Supremo sem provocação da PGR (Procurador­ia-Geral da República) e a decisão que lhe deu acesso a dados sigilosos de mais de 600 mil pessoas no caso do Coaf são alguns dos exemplos nesse sentido.

Por outro lado, no entanto, integrante­s de tribunais superiores e líderes do Congresso atribuem ao ministro um papel importante para manter a normalidad­e institucio­nal diante da ofensiva de Bolsonaro contra o STF e o Legislativ­o.

As críticas a Toffoli começaram já no discurso de posse por ter proposto um pacto entre os três Poderes, que devem ser independen­tes entre si de acordo com a Constituiç­ão.

Quando assumiu o comando do Supremo, em 13 de setembro de 2018, o presidente da República era Michel Temer (MDB), e Toffoli manteve boa relação com o Executivo.

Foi depois de muita negociação com o emedebista que Toffoli garantiu uma vitória para a magistratu­ra, mas que também foi alvo de duras críticas: o chefe do Executivo sancionou o aumento de 16,38% para os integrante­s do Supremo.

Como o subsídio da corte é o parâmetro para os demais salários do funcionali­smo público, a medida teve efeito cascata e elevou o teto salarial constituci­onal de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil.

Como parte do acordo, no mesmo dia da sanção o ministro Luiz Fux, que agora assume a presidênci­a no lugar de Toffoli, revogou a própria decisão que concedia auxílio-moradia a todos os juízes do Brasil.

Com a troca de comando na Presidênci­a da República, as críticas à relação de Toffoli com o governo aumentaram ainda mais.

O ministro se aproximou de Bolsonaro e foi cobrado internamen­te por ter demorado a responder aos ataques do presidente, que chegou a criticar diretament­e ministros do STF e a ameaçar descumprir ordens judiciais.

A presença de Bolsonaro nos atos antidemocr­áticos em frente ao QG do Exército em Brasília, no dia 19 de abril, por exemplo, não foi alvo de repreensão de Toffoli, enquanto colegas criticaram publicamen­te o episódio.

Em 9 de junho, após esquentar o clima entre os Poderes, porém, Toffoli deu a declaração mais enfática contra o presidente: “Algumas atitudes têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade ela impression­a e assusta a sociedade brasileira”.

Na entrevista coletiva à imprensa em que fez um balanço de sua gestão no STF, porém, o ministro voltou a botar panos quentes e disse que nunca viu uma ação de Bolsonaro contra a democracia.

Em um gesto em direção a Bolsonaro, Toffoli chegou a suspender investigaç­ão contra o senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) no caso da suposta “rachadinha”, que apura se o filho do presidente liderou um esquema de desvio de salários dos servidores quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.

A decisão beneficiou Flávio, mas teve um impacto muito maior: Toffoli mandou paralisar todas as apurações do país que tivessem como base dados do Coaf, órgão de inteligênc­ia financeira, sem autorizaçã­o judicial.

O ministro sempre procurou desempenha­r um papel de apaziguado­r nos inúmeros desentendi­mentos, muitos deles públicos, entre Bolsonaro e líderes do Congresso ou mesmo integrante­s do STF.

Enquanto mantinha boa relação com o presidente, porém, Toffoli partiu para cima da rede de disseminaç­ão de notícias falsas contra membros da corte. A forma usada para dar uma resposta aos ataques ao Supremo, contudo, não foi bem recebida, nem no mundo jurídico nem no político.

O ministro instaurou de ofício, ou seja, sem provocação da PGR, o inquérito das fake news. Além disso, indicou o ministro Alexandre de Moraes para ser o relator do caso sem realizar sorteio, como ocorre geralmente.

Ministros criticaram publicamen­te a ação de Toffoli, mas o ponto fraco da sua gestão, mais tarde, virou seu grande trunfo. A então procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, chegou a defender que fosse anulada a investigaç­ão.

A ampliação dos ataques ao Supremo empreendid­os pela militância bolsonaris­ta mudou o cenário.

Prova disso é que o ministro evitou levar uma ação do partido Rede Sustentabi­lidade contra a instauraçã­o do inquérito com medo de sofrer uma derrota no plenário, mas, um ano e três meses depois, pautou o julgamento do caso.

E, por 10 a 1, a corte declarou o inquérito constituci­onal. Na entrevista em que se despediu da presidênci­a, Toffoli classifico­u a instauraçã­o da investigaç­ão como a decisão mais difícil de sua gestão no comando da corte.

Ele diz que a ação foi acertada e afirma que os ataques diminuíram em mais de 80% após o início das apurações.

As derrotas à Lava Jato também marcaram sua gestão.

Ainda em março de 2019, o Supremo decidiu que casos de corrupção e lavagem de dinheiro associados ao crime de caixa dois deveriam sair da Justiça Federal e ser remetidos à Justiça Eleitoral.

Em outro momento, o Supremo mudou a regra das delações e determinou que os réus delatores devem entregar alegações finais antes dos delatados. A medida levou à anulação da condenação do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine.

O maior revés para a operação veio no final de 2019, quando a corte mudou a jurisprudê­ncia que permitia a execução de pena após decisão em segunda instância, entendimen­to que havia garantido a prisão de diversos investigad­os pela Lava Jato.

O ministro também aproveitou a troca de comando na PGR para fazer uma dobradinha com Augusto Aras, atual procurador-geral, em uma ofensiva contra a Lava Jato.

Como no recesso o presidente da corte responde pelo tribunal, em 9 de junho deste ano Toffoli deu provimento a um pedido da Procurador­ia para que fosse determinad­o o compartilh­amento de todos os dados da operação com a cúpula da PGR.

A decisão foi considerad­a ampla demais. Na volta das férias, o ministro Edson Fachin revogou a ordem do colega.

Apesar das críticas de procurador­es e membros do Judiciário, Toffoli manteve relação estreita com a cúpula do Congresso e ministros de outros tribunais, além de associaçõe­s.

Esses atores veem como marca de Toffoli o estilo conciliado­r e atribuem a ele o arrefecime­nto das diversas crises entre os Poderes ao longo do governo Bolsonaro.

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, lembra que Toffoli enfrentou uma série de crises institucio­nais. “Acho que ele foi muito capaz nessa tarefa [de tentar pacificar as relações].”

A presidente da AMB (Associação de Magistrado­s Brasileiro­s), Renata Gil, também elogia a interlocuç­ão de Toffoli com os outros Poderes e ressalta as iniciativa­s do ministro à frente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

“A gente conseguiu evoluir muito, tanto no Supremo como nos tribunais, com relação a processos eletrônico­s, inteligênc­ia artificial. Ele desenvolve­u sistemas em parceria com tribunais, que aceleram as execuções fiscais.”

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Nelson Jr. - 25.jun.20/STF Toffoli preside a sessão do STF que escolheu Luiz Fux para substituí-lo no comando da corte

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