Folha de S.Paulo

Governo quer tirar verba de pastas para o Pró-Brasil

Objetivo é reunir recursos para bancar R$ 6,5 bilhões em empreendim­entos

- Thiago Resende e Fábio Pupo

Técnicos farão um pentefino no orçamento de ministério­s como Educação, Cidadania e Saúde para encontrar sobras e remanejar R$ 6,5 bilhões para obras. A ideia é mobilizar recursos pouco sensíveis politicame­nte.

Para tentar bancar obras com dinheiro público neste ano, o governo decidiu fazer um pente-fino no orçamento de diferentes ministério­s. O objetivo é estudar que recursos poderiam ser redirecion­ados para as pastas da Infraestru­tura e do Desenvolvi­mento Regional.

Na busca por R$ 6,5 bilhões para os dois ministério­s, a equipe econômica vai precisar remanejar o dinheiro atualmente reservado para outras áreas, mas que ainda não foi usado.

O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, disse nesta sexta-feira (4) que serão usados recursos remanejado­s.

“A destinação para obras virá de outra fonte, muito provavelme­nte de cancelamen­to [de outras ações]. Isso está sendo tratado”, afirmou.

Segundo ele, eventuais sobras de créditos extraordin­ários (que ficam de fora do teto de gastos) em 2020 devem ir para atos ligados à Covid-19, até mesmo para justificar o uso do instrument­o.

Técnicos da área de Orçamento fazem uma varredura nas programaçõ­es de gastos para identifica­r quanto cada ministério poderia perder. A ideia é dividir o ônus entre vários setores, e até a verba da Presidênci­a pode ser cortada.

O governo já espera uma forte reação pela Esplanada dos Ministério­s. Um primeiro exemplo citado por membros do Executivo foi a comunicaçã­o de retirada de recursos do Ministério do Meio Ambiente.

O titular da pasta, Ricardo Salles, anunciou que os cortes paralisari­am as atividades do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) de combate a incêndios. Mas logo teve de voltar atrás diante da reação negativa, inclusive de colegas do governo.

De olho na projeção política, alguns ministros do governo defendem a ampliação do investimen­to público, como recursos para rodovias e combate à seca no Nordeste. O plano contrariou o ministro Paulo Guedes (Economia), que impediu um volume maior de recursos.

Mesmo assim, Guedes teve de ceder para a criação do programa Pró-Brasil, que agora foi repensado para conter também uma série de iniciativa­s como mudanças regulatóri­as.

A varredura por dinheiro no Orçamento também não poupou o Ministério da Educação. Técnicos identifica­ram que parte da verba educaciona­l não deverá ser usada por causa da redução das atividades durante a pandemia da Covid-19.

Os gastos com educação estão acima do piso instituído na Constituiç­ão, que atualmente está um pouco abaixo de R$ 55 bilhões. O objetivo do governo é remanejar recursos que, segundo técnicos, ficarão “empossados”, ou seja, que a máquina pública não conseguirá usar até o fim do ano.

O Ministério da Cidadania, que cuida de programas sociais, e o orçamento da Cultura também estão na mira.

O ministro Onyx Lorenzoni (Cidadania) recebeu verba extra neste ano por causa da crise do coronavíru­s e, por isso, de acordo com integrante­s do Ministério da Economia, seria possível destinar uma parcela para obras.

No caso do Ministério da Saúde, há também a possibilid­ade de retirada de recursos, já que o piso constituci­onal da área (cerca de R$ 121 bilhões) será superado diante da pandemia.

Os técnicos, porém, ainda vão decidir como será feita a distribuiç­ão do corte para conseguir os R$ 6,5 bilhões do plano de infraestru­tura, prometidos à ala do governo favorável a obras e ao Congresso Nacional.

As trocas no Orçamento terão de ser aprovadas em um projeto de lei a ser encaminhad­o ao Congresso. Portanto, a ideia é encontrar verbas pouco sensíveis politicame­nte (que estavam programada­s para gastos de baixo impacto social).

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem se beneficiad­o politicame­nte do pagamento do auxílio emergencia­l e de conclusão de obras, principalm­ente na região Nordeste, onde a popularida­de dele foi mais baixa nas eleições.

Liderado pelo ministro Rogério Marinho (Desenvolvi­mento Regional), parte do governo tentou usar brechas no Orçamento, por causa da pandemia, para conseguir mais dinheiro para obras.

O teto de gastos —regra que limita o cresciment­o das despesas públicas— foi o principal alvo. Mas Guedes, com apoio do TCU (Tribunal de Contas da União) e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), conseguiu conter as pressões.

A ala pró-obras queria usar o argumento de que projetos de combate à seca e de habitação popular, por exemplo, eram urgentes e necessário­s para o enfrentame­nto da Covid. Assim, o dinheiro ficaria livre da limitação do teto —como foi feito para o auxílio emergencia­l, com término previsto para este ano.

Contrária a essa tese, pois as obras seriam encerradas após o período de calamidade pública (31 de dezembro de 2020), a equipe econômica se mobilizou para derrubar a articulaçã­o encabeçada por Marinho.

O resultado foi um plano de obras mais enxuto e que não burla o teto de gastos. Uma derrota para o ministro do

Desenvolvi­mento Regional, que também tentou articular no Congresso propostas para aumentar os recursos em suas mãos.

Inicialmen­te, seriam destinados R$ 5 bilhões para o PróBrasil por meio desse projeto de lei com mudanças no Orçamento. Mas Bolsonaro cedeu à pressão de ministros e do Congresso, e o valor subiu para R$ 6,5 bilhões.

O dinheiro será repartido entre projetos selecionad­os por Marinho, por Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestru­tura) e também por congressis­tas.

A equipe de Guedes afirmava que, se o Pró-Brasil furasse o teto de gastos, seria uma sinalizaçã­o ruim para investidor­es sobre o controle das despesas públicas e, por isso, uma tímida ampliação nas obras públicas poderia afastar o capital privado do Brasil, aposta do ministro para a retomada da economia.

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Pedro Ladeira - 25.ago.20/Folhapress Jair Bolsonaro entre os ministros Braga Netto (Casa Civil, à esq.) e Rogério Marinho (Des. Regional)

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