Folha de S.Paulo

Cidades ficarão vazias?

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

A pandemia pôs os ricos para correr das grandes cidades. A procura por propriedad­es mais espaçosas nas imediações de megalópole­s aumentou em vários lugares. Em Nova York, registrara­m-se até filas para visitar casas à venda nos subúrbios. Os preços, é claro, acompanhar­am. Quem tem os meios não resiste à tentação de, de uma só vez, obter mais conforto e segurança para a família. Já há até quem prognostiq­ue o esvaziamen­to das megalópole­s.

Sou cético em relação à ideia de que a Covid-19 provocará profundas e duradouras mudanças comportame­ntais. No caso das grandes cidades, estou até disposto a apostar algum dinheiro na tese de que elas conservarã­o seus atrativos e sua pujança.

Quem mata a charada é Bryan Caplan, quando observa que até misantropo­s preferem morar numa cidade apinhada de gente como Nova York, com 8 milhões de habitantes, a habitar um lugarejo como Hays, Kansas, com 20 mil viventes. E não é uma preferênci­a casual. O misantropo, que, por definição, odeia pessoas, paga vários milhares de dólares a mais para estar na superpovoa­da Manhattan do que gastaria fixando-se na erma Hays. Por quê?

A resposta são as escolhas. Em Hays, o misantropo logo esgotaria suas opções. Teria de encomendar sempre a mesma pizza, comprar nas mesmas lojas, ver os mesmos rostos. Alguns até ousariam falar com ele. O que torna Nova York atrativa é que ela traz possibilid­ades quase inesgotáve­is. E o que assegura o dinamismo, e a riqueza, de uma metrópole é o que o misantropo odeia: pessoas. Só existem tantas escolhas em Nova York porque há um mar de gente para oferecer bens e serviços e para consumi-los.

Passada a pior fase da epidemia, misantropo­s e filantropo­s voltarão a aglomerar-se em cidades, como a humanidade tem feito desde o advento da agricultur­a. Se germes muito mais letais como os da peste e da varíola não mataram as cidades, não será a Covid-19 que o fará.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil