Folha de S.Paulo

Os partidos e a Lei Geral de Proteção de Dados

Políticas de privacidad­e devem ser bem definidas

- Karina Kufa e Bruno Baltazar

Especialis­ta em direito administra­tivo e eleitoral, é presidente da Comissão de Compliance Eleitoral e Partidário do Conselho Federal da OAB e sócia da Kufa Advocacia

Advogado e mestre em direito constituci­onal, é especialis­ta em direito digital

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) surgiu para regular o tratamento de dados pessoais manuseados por uma pessoa, seja ela física ou jurídica, pública ou privada.

A fiscalizaç­ão do cumpriment­o dessa norma não advém somente do ente estatal —que a fará por meio da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), recentemen­te instituída pelo governo federal—, mas, principalm­ente, por meio dos próprios titulares dos dados. Estes são os principais interessad­os e devem ser os mais influentes fiscais. Então, aqueles que tratam de dados privativos devem estar adequados à LGPD, sob pena de responsabi­lização nos âmbitos administra­tivo e jurídico.

O grande debate que nos cerca é quanto ao início da vigência da LGPD. Hoje, após várias querelas, temos a seguinte situação: por força do projeto de lei nº 1.179/2020, restou definido que as aplicações das sanções administra­tivas passaram a vigorar a partir de 1º de agosto de 2021 e, quanto à entrada em vigor da lei, a medida provisória 959/2020 determinav­a que a LGPD produziria efeitos no ordenament­o jurídico em 3 de maio de 2021. O Senado Federal aprovou a MP mencionada. No entanto, considerou prejudicad­o o artigo 4º, o qual tratava especifica­mente da vigência da LGPD.

A principal indagação é: a LGPD poderá ser aplicada a partir do dia 27 de agosto de 2020? Não! Isso porque a Constituiç­ão determina que, sendo aprovada alguma alteração no texto original de MP, esta irá se manter integralme­nte em vigência até que seja sancionada ou vetada pelo presidente da República. Assim, a LGPD estará em vigor no primeiro dia útil subsequent­e à sanção presidenci­al, que poderá ocorrer no prazo de até 15 dias úteis, contados a partir da data do recebiment­o. Ressaltamo­s que o prazo já está correndo. Desta forma, esperamos que, nos próximos dias, a LGPD comece a produzir efeitos.

Concomitan­temente à expectativ­a do início da vigência da LGPD, o Brasil encontra-se às vésperas das eleições municipais, que foram adiadas para o dia 15 de novembro, em primeiro turno, e, para o dia 29 de novembro, em segundo turno. Refletindo na vigência da LGPD, surgem outros questionam­entos: como está a adequação dos partidos políticos à nova lei? Os partidos políticos já constituír­am seu encarregad­o, também conhecido como DPO (“Data Protection Officer”)?

Destacamos que os partidos políticos estão albergados pelo escopo da LGPD, visto que são pessoas jurídicas de direito privado que recolhem dados pessoais de seus funcionári­os e filiados, entre outros. Dessa forma, nascem obrigações e deveres, descritos na LGPD, para a organizaçã­o política. Entre eles, citamos o direito que os titulares das informaçõe­s pessoais terão de saber como estas estão sendo tratadas, como se tem acesso a esses dados, qual a finalidade do recolhimen­to, quais medidas de segurança da informação estão sendo adotadas para evitar incidentes e com quem estão sendo compartilh­adas, entre outras prerrogati­vas. Estas e outras demandas exigirão uma resposta dos partidos políticos em forma de relatório, que deverá ser entregue ao detentor dos dados de forma simplifica­da e compreensí­vel. Além disso, os partidos políticos têm o dever de nomear um encarregad­o de proteção de dados, cuja função, dentre outras, será estabelece­r o elo de comunicaçã­o entre os titulares das informaçõe­s e a ANPD. Por fim e de modo geral, não esgotando a grande gama de obrigações a serem cumpridas, os partidos devem priorizar e ter uma política de privacidad­e e de proteção de dados bem definidas.

Não sendo realizada a adequação à LGPD, poderá haver elevada quantidade de demandas judiciais contra partidos políticos, tendo como autores os titulares dos dados, bem como aplicação de sanções administra­tivas, estas a partir de agosto de 2021 —que vão desde advertênci­a até multas e proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionad­as a tratamento de dados, refletindo diretament­e na atuação da pessoa jurídica.

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Claudia Liz

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