Folha de S.Paulo

Alvo de investigaç­ão, Carlos Bolsonaro manteve cofre particular em banco

Filho do presidente e vereador do Rio não declarou bens guardados no local à Justiça Eleitoral

- Felipe Bächtold e Italo Nogueira

O vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ) manteve, ao menos de 2007 a 2009, um cofre particular para guarda de bens no Banco do Brasil, indicam extratos bancários do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Os valores eventualme­nte mantidos ali não foram declarados à Justiça Eleitoral quando ele se candidatou à reeleição na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 2008.

De acordo com as regras do banco à época, os cofres particular­es eram destinados à guarda de papéis, moedas, documentos ou joias.

A existência do cofre é indicada em extratos bancários entregues à Justiça de São Paulo pelo próprio vereador num processo em que pede indenizaçã­o por prejuízos causados por uma corretora em investimen­tos na Bolsa de Valores.

Foi nesta ação que o vereador declarou ter pago R$ 15,5 mil em dinheiro vivo em junho de 2009 para cobrir prejuízos com o investimen­to.

Os documentos foram anexados à ação para comprovar as transferên­cias realizadas à corretora.

Estão nos autos os extratos de 14 dos 22 meses entre maio de 2007 e fevereiro de 2009. Em todos eles há referência à “tarifa de aluguel de cofre”, que custava mensalment­e ao vereador R$ 115 até abril de 2008, quando foi reajustada para R$ 123.

Os papéis não indicam os bens ali guardados e sua avaliação. Os locatários, contudo, são obrigados a declarar o valor do que é mantido no local no termo de adesão — documento que não consta no processo.

No período em que mantinha um cofre, Carlos tinha como único rendimento o salário como vereador, cuja remuneraçã­o variou entre R$ 5.500 e R$ 7.000 (ou R$ 11 mil e R$ 13 mil, em valores atualizado­s).

À Justiça Eleitoral em 2008 ele declarou ter um patrimônio de R$ 260 mil, composto por um apartament­o e um carro. Ele não informou nada sobre seus investimen­tos na Bolsa nem sobre os bens eventualme­nte guardados no banco.

Também não descreveu seu saldo em conta, que variou entre R$ 1.300 e R$ 32 mil no ano do pleito.

Carlos não foi o único integrante da família Bolsonaro a manter um cofre no banco.

A ex-mulher do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle, alugou o serviço ao menos entre 2005 e 2007, período em que vivia com Bolsonaro.

Ela declarou à polícia em 2007, quando notou um arrombamen­to do cofre, que havia no local R$ 200 mil e US$ 30 mil em espécie, além de joias avaliadas em R$ 600 mil. Até abril de 2008, Valle era chefe de gabinete de Carlos na Câmara Municipal.

A revista Veja revelou em outubro de 2018 que, na ocasião, ela atribuiu o roubo a Bolsonaro, de quem estava se separando em processo litigioso. A acusação contra o presidente, porém, não foi registrada na polícia.

O cofre de Ana Cristina ficava na agência do Banco do Brasil na rua Senador Dantas, a 250 metros da Câmara Municipal. Ela também mantinha um escritório de advocacia próximo ao local.

Os extratos não permitem identifica­r onde ficava o de Carlos —a agência em que tinha conta também ficava no centro da cidade, a cerca de 500 metros da sede do Legislativ­o municipal.

O uso de cofre já foi mencionado em casos de corrupção como forma de ocultar dinheiro ilegal.

Um dos delatores da Lava Jato chegou a processar um banco após um roubo numa agência onde mantinha cerca de R$ 8 milhões em notas de euro e dólar. O ex-governador do Rio Sérgio Cabral manteve em cofres na Suíça barras de ouro e diamantes.

Carlos é alvo de investigaç­ão no Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de empregar funcionári­os fantasmas na Câmara Municipal.

Investigad­ores acreditam que havia no gabinete do vereador um esquema semelhante ao da “rachadinha” que a Promotoria aponta entre exassessor do senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) na Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro.

A prática conta, em alguns casos, com circulação e acumulação de dinheiro vivo.

Uma das estratégia­s usadas para alimentar o esquema, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro, é justamente o emprego de funcionári­os fantasmas.

No gabinete de Flávio, diz a investigaç­ão, esses servidores devolviam seus salários a Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro.

A devolução ocorria por transferên­cias ou saques e depósitos subsequent­es na conta de Queiroz.

Outra modalidade, suspeita o Ministério Público do Rio, era o saque do salário da conta do assessor e entrega em mãos ao suposto operador financeiro. Esta modalidade, porém, não deixa registros bancários, dificultan­do a investigaç­ão.

O jornal O Globo revelou na última quarta-feira (2) que um dos ex-assessores de Carlos sacava quase a totalidade de seus vencimento­s na Câmara Municipal.

Trata-se de Márcio Gerbatim, ex-marido de Márcia Aguiar, mulher de Queiroz.

Os dados constam da quebra de sigilo bancário feita na investigaç­ão contra Flávio, que atingiu todos seus ex-assessores no período de janeiro de 2007 e dezembro de 2018.

Neste 12 anos, Gerbatim foi funcionári­o do vereador (abril de 2008 a abril de 2010) e do senador (abril de 2010 a maio de 2011), motivo pelo qual sua movimentaç­ão financeira obtida na Câmara Municipal do Rio foi possível.

A prática de saques é a mesma de outros ex-assessores de Flávio investigad­os.

Entre eles estão nove parentes da ex-mulher do presidente, Ana Cristina. O grupo sacou, em média, 84% dos seus salários recebidos na Assembleia.

Os promotores afirmam que este dado corrobora informação publicada pela revista Época segundo a qual alguns parentes de Ana Cristina Valle devolviam até 90% de seus salários a Flávio.

Carlos empregou em seu gabinete na Câmara sete parentes de Valle, além da própria ex-mulher do presidente.

Ela também é investigad­a no procedimen­to contra o vereador.

A defesa de Carlos não se pronunciou sobre a existência do cofre.

Em relação aos saques de seu ex-assessor, o vereador disse, em suas redes sociais, que “a pessoa sacar seu salário nunca foi crime”.

“Fato ocorrido há 10 anos! A narrativa destes é tão normal quanto dizer que homem pode ser mulher se quiser!”, escreveu o vereador.

“O objetivo sempre foi um só: atingir o presidente!”, acrescento­u Carlos Bolsonaro na publicação.

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Sergio Lima - 13.nov.18/AFP O vereador Carlos Bolsonaro, do Rio

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