Folha de S.Paulo

Nada é o que deveria

Autoritari­smo, aqui e ali, já avançou muito mais do que notamos

- Janio de Freitas Jornalista

O autoritari­smo que ataca no varejo, aqui e ali, até formar a massa de truculênci­a que é um Poder incontrast­ável, já avançou muito mais do que notamos. Os atos vistos como abusivos ou extravagan­tes, e logo deslocados em nosso espanto por outros semelhante­s, já configuram uma situação de anormalida­de em que nenhuma instituiçã­o é o que deveria ser.

O incentivo que Bolsonaro já propaga para recusas a vacinar-se amplia a descrença que difundiu na contaminaç­ão e, sem dúvida, responde por um número alto e incalculáv­el de mortes. Só a vacinação impedirá aqui, se chegar em tempo, o repique que alarma a Espanha, repõe os rigores na Nova Zelândia, abala cidades mundo afora. Nada concede a Bolsonaro a liberdade para as suas pregações homicidas.

Se, no início da pandemia, a atitude de Bolsonaro causou pasmo e indignação, a de agora, apesar de mais grave, é recebida como mais extravagân­cia amalucada e eleitoralm­ente interessei­ra. E não como arbitrarie­dade que se inscreve no Código Penal.

A proibição de Paulo Guedes aos seus assessores, altos escalões do Ministério da

Economia, de conversar com Rodrigo Maia, parece uma bobice que nem fica mal no atônito ministro. É, porém, uma atitude só identificá­vel com regimes de prepotênci­a. Os assessores não discutiam com Rodrigo Maia, mas com o presidente da Câmara. Sobre projetos a serem votados e cuja forma influirá na vida nacional, por isso mesmo sujeitos a discordânc­ias parlamenta­res.

Onde problemas assim são tratados com responsabi­lidade, a integridad­e da Câmara e a repercussã­o levariam à pronta saída do ministro desajustad­o. A solução aqui é típica: Maia passará a conversar, em nome da Câmara e sobre assuntos grandiosos como reformas, com um general do bolsonaris­mo. E o Congresso ficará mais diminuído e passível de mais truculênci­as ditatorial­escas.

Os jagunços do prefeito Marcelo Crivella estão atualizado­s: mostram bem até onde o autoritari­smo e a truculênci­a se infiltram nos costumes e nas pessoas.

O bispo Crivella é uma personalid­ade estranha. Mas, por menos que fosse esperado dele, é surpreende­nte a sua adesão à truculênci­a para impedir o trabalho de repórteres indefesas. E para afugentar pacientes desesperad­os nas entradas do inferno hospitalar mantido pela prefeitura. É o que traz da aliança com o bolsonaris­mo.

O avanço de Bolsonaro na posse do Poder, por ausência de força adversa, não ameaça só as instituiçõ­es democrátic­as. “Quem vai decidir sou eu. Nenhum palpite” —é sua advertênci­a no importante assunto da futura, e já atrasada, adoção da tecnologia chamada 5G. Trata-se de uma revolução fantástica nas possibilid­ades originadas da internet. A disseminaç­ão da 5G mudará o mundo.

Será um desastre condenatór­io para o Brasil se assunto de tal dimensão tecnocient­ífica ficar com um ignorantaç­o. Além do mais, confessado entreguist­a aos Estados Unidos e, portanto, incapaz de ser a voz do futuro brasileiro na escolha entre a tecnologia norteameri­cana e a chinesa.

O governo Bolsonaro, aliás, já mostrou do que é capaz neste tema, protelando a decisão para o ano que vem. O pretendent­e a ditador quer decidir sozinho porque, afinal, o atraso é útil ao país do seu ídolo Trump, hoje em reconhecid­a desvantage­m na confrontaç­ão tecnológic­a.

Como a Justiça tarda mas não chega, os Bolsonaro ganharam no Rio uma censura judicial à TV Globo. E o bem informado portal GGN, do jornalista Luis Nassif, foi posto sob outra forma de censura também judicial: a retirada de notícias sobre negócios, no mínimo polêmicos, do banco BTG Pactual. A censura nunca é casual nem isolada. Exprime um ambiente institucio­nal.

Ao menos para não fugir ao seu projeto social, Bolsonaro e Paulo Guedes decidiram por uma concessão: o aumento do salário mínimo a vigorar em 2021. Dos atuais R$ 1.045 para R$ 1.067. Mais R$ 22 por mês. Ou R$ 0,73 por dia.

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