Folha de S.Paulo

Perspectiv­a para retomada

Estão dadas as condições para uma recuperaçã­o mais forte da economia em 2021

- Samuel Pessôa

Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP

O IBGE divulgou na terça-feira (1º) o resultado da atividade econômica —o Produto Interno Bruto— do segundo trimestre. A economia caiu 11,4% em relação ao 2º trimestre de 2019 e 9,7% em relação ao 1º trimestre do ano. No 1º semestre do ano, rodou 5,9% abaixo do mesmo período de 2019.

Para pensarmos na retomada, é útil olhar a abertura por setores. A queda de 5,9% do 1º semestre divide-se em 1,2 ponto percentual (pp) de redução dos impostos indiretos e 4,7 pp da produção (líquida dos impostos indiretos).

Dos 4,7 pp, a indústria explica 1,2 pp, e os serviços, 3,7 pp. Nos serviços, três subsetores explicam a queda: comércio, outros serviços e serviços da administra­ção pública, respondend­o, respectiva­mente, por 0,8 pp, 2,1 pp e 0,7 pp da queda de 3,7 pp do setor como um todo.

A indústria tem tido recuperaçã­o em “V”. Em julho, segundo a pesquisa mensal da indústria divulgada na semana passada, o setor rodou 3,1% abaixo do mesmo mês de 2019. Em maio, essa estatístic­a era de 22%. Provavelme­nte em agosto a indústria já tenha recuperado

as perdas da crise. O nível de utilização da capacidade instalada e os estoques já se encontrava­m, no mês passado, no nível pré-crise, segundo a sondagem da indústria do Ibre.

Assim, uma recuperaçã­o mais intensa da economia dependerá da retomada dos serviços. Dos três subsetores que explicam quase a totalidade da queda dos serviços, comércio e administra­ção pública voltarão naturalmen­te assim que a epidemia arrefecer. As pessoas trocaram compra presencial pela compra eletrônica e, lentamente, retornarão às lojas.

E basta as escolas reabrirem e a população voltar às suas consultas normais nos hospitais para que serviços públicos de educação e de saúde retornem.

A recuperaçã­o plena da economia dependerá da volta dos outros serviços, subsetor que explica aproximada­mente 1/3 do recuo total do PIB. Outros serviços correspond­em a: serviços pessoais, como manicure, corte de cabelo etc.; alimentaçã­o fora de domicílio, isto é, bares e restaurant­es; e todo o setor de entretenim­ento, eventos esportivos e artísticos. É evidente que seja o setor mais afetado pela necessidad­e de distanciam­ento social.

Não faltam recursos no setor privado. Como lembrou meu colega do Ibre Armando Castelar, em sua coluna na sextafeira (4) no jornal Valor Econômico, a poupança do setor privado subiu muito no primeiro semestre. A poupança doméstica, segundo o IBGE, foi, na primeira metade do ano, quase R$ 54 bilhões maior do que no 1º semestre do ano passado.

Enquanto a poupança pública —resultado do déficit público líquido do investimen­to— caiu em R$ 389 bilhões, a poupança do setor privado nacional subiu uns R$ 443 bilhões, ou algo como 6% do PIB de 2019.

Esses números batem com a acumulação de depósitos no setor bancário. Segundo o Banco Central, o acúmulo de depósitos pelo setor privado nos bancos em junho de 2020, em comparação ao mesmo mês de 2019, foi da ordem de R$ 450 bilhões

| dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex. Nelson Barbosa | sáb. Marcos Mendes, Rodrigo Zeidan

a R$ 500 bilhões.

Houve forte acumulação de ativos pelo setor privado. Parte dessa poupança deve ter sido das famílias que receberam o auxílio emergencia­l e, sabedoras de que era transitóri­o, pouparam parte do benefício.

Estão dadas as condições para uma recuperaçã­o mais forte da economia em 2021. É possível que parcela significat­iva da queda de 5% a 5,5% que ocorrerá em 2020 seja devolvida em 2021.

Há grande preocupaçã­o com a reconstruç­ão dos negócios, das pequenas e médias empresas que fecharam as portas.

Minha avaliação é que a reconstruç­ão do setor produtivo será mais rápida do que se imagina. O choque negativo não resultou de erros de gestão ou mesmo de ilícitos dos empresário­s. Há interesse de todos, bancos, locadores e rede de fornecedor­es, em refinancia­r e garantir reconstruç­ão dos negócios. O empecilho é o vírus.

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